O VELHO OESTE DOS MEUS TEMPOS MODERNOS (crônica)
Uma lembrança que vale ser crônica pelo menino que eu era...
Acredite se quiser: O Ted Boy Marino foi derrotado. O seu adversário deu-lhe intensa surra; intensa e rara. Não! Impossível de ser verdade. A minha vontade era de chorar, entrar pelas válvulas, pelo tubo de imagem, ajudá-lo de alguma maneira. Na verdade, nada mais a se fazer, pois o árbitro deu por encerrado e o canal sete já mudava a programação.
Éramos três na sala: eu, o inconsolável; o meu pai sereno ao meu lado direito; a minha mãe ao esquerdo com o seu braço passando sobre mim para alcançar a careca do marido, realizando-lhe cafunés descontraídos. Todos aguardando ansiosos e eu, o único fã do lutador, esperava ainda consternado pela sua derrota.
Na verdade, eita! espera ansiosa pelo término dos comerciais para assistir à programação anunciada há semanas. Não tinha como perdê-la e, por causa dela, eu tive que fazer uma enxugada nos olhos da alma para esquecer temporariamente, somente temporariamente, a derrota de Ted Boy. A próxima programação seria um “Bang Bang” ... sai um ídolo e entra outro. Não apenas um simples Far West: Era o faroeste do ano, com ninguém podendo infinitamente ser mais que ele e que, na minha frente, aí do doido que arriscasse a considerá-lo sendo menos que o lendário Marion Robert Morrison...
— Quem é esse? Calma, queridos leitores! Apenas o inesquecível John Wayne. Não um simples herói e, sim; o meu eterno John Wayne.
A saga começou...
Tiros intermináveis...
Socos impossíveis de serem assimilados por qualquer experiente boxeador da atualidade e até, dói dizer, pelo tão amado Ted Boy. Tinha lá meus ódios, sem exagero. Ódio intenso de minha parte pelos segundos de comerciais; tolas interrupções.
De repente, num momento mágico da trama é que ocorreu o âmago desta minha crônica. Um momento romântico, sem tiros e socos, sem comercial:
— O John Wayne, cansado pela procura da amada raptada pelos índios, escolheu um lugar para descansar. Arrumou o seu acampamento, fazendo uma fogueira e cozinhando a sua refeição: Nada mais que feijões; nada mais que café.
Permaneci atento...
— Assim que a sua refeição ficou pronta, lembrando-se dos momentos com a sua amada em perigo no deserto, ele se recostou numa enorme pedra. Ao fundo uma lindíssima canção. Na bela fotografia cinematográfica da Lua no horizonte, e ele devorando a comida entre pequenos goles de café. Eu vi, além, uma atuação esplendorosa do ator enaltecendo o enredo e a fotografia ímpar, valorizando com seus gestos o compositor da canção como a sua obra máxima e que, em mim, impregnou de maneira real o cheiro da fogueira, dos feijões e do café invadindo a sala.
O mocinho ganhou a batalha, resgatou a heroína e a beijou. Algum malvado inseriu o nefasto: The End!!
Eis que me veio o temor... realmente o meu medo se concretizou:
— Hora de dormir, meu filho! que já é tarde.
Eu sou do tempo que bastava apenas quatro avisos... O quinto jamais ocorreria, pois, a cinta sairia do armário. Porém, naquele dia, não me custaria nada a me arriscar, pois a lombriga falava alto. Não! a danada berrava. Arrisquei-me:
— Mãe, não tem feijão pronto? Não tem café? Fiquei com vontade...
Eu tinha roncos na barriga e no rosto o olhar pidão de dar dó a qualquer um, o que dizer para uma mãe? Da dona de casa não recebi respostas. Recebi ações. Guiomar, levantou-se indo à cozinha, donde vinham sons nas panelas de algo esquentando e logo mais o cheirinho de café coado fresco. Poxa! Sentei-me à mesa como o principal personagem, iniciando assim um verdadeiro mata-lombriga: Um feijão quentinho, somente ele sem arroz, com fartos pedaços de linguiça e uma caneca de café completando a sequência tal qual Wayne: para cada colherada de feijão, um gole da cheirosa bebida.
Como não posso parar assim a minha narrativa, queridos leitores, atentem-se:
— Logo mais, antes da terceira ou quarta colherada, para minha surpresa o pai e a mãe estavam ao meu lado, com seus pratinhos e canecas. Ah! inesquecível recordação que se alojou eternamente na minha alma.
Bom! agora sim, posso terminar para não cansar a todos com a minha crônica, pois um escritor deve saber a exata hora de colocar o seu término. Vou fazê-lo exatamente como num filme:
— Como a vida imitando a arte, encostei-me no espaldar da cadeira, sentindo-o como uma enorme pedra... A Lua, certamente, estaria tão bela lá fora, embora eu, jamais largaria a refeição para a constatar; a canção, por sua vez, vinha da vitrola do vizinho Durval, belas músicas clássicas, estando ele, tarde da noite, sapecando no seu improvisado e próprio projeto torno-forno as varas de pescar que vendia. Provavelmente estaria, ele, atrasado com alguma encomenda ou...
— Ou estaria, simplesmente, de sentinela para alertar os vizinhos sobre a chegada dos índios dispostos a raptarem as filhas dos moradores da rua Brasília, pois se dependessem desse mocinho à mesa, elas só poderiam contar com ajuda assim que eu terminasse a refeição.
THE END