BAILARES DOS PENSAMENTOS ( homenagem a todas as formas de arte) (crônica)
É uma crônica ou uma prosa? As duas coisas! Na arte tudo se pode e por ela tudo posso.
Nunca perco a alegria juvenil de assistir a um espetáculo de arte, mas tenho a obsessão de pensar que só vale a pena sair ao seu encontro se for para participar do espetáculo. De que adianta sair de casa se dele não posso participar? Como eu faço isso? Simples... caminhando em sua direção com uma preparação peculiar. As horas que antecedem eu me preparo primorosamente: O terno aguardando-me depois da rigorosa escolha, uma gravata combinando até com a Lua da noite, o meu olhar fortuito ou dissimulado para com a linda negra e esposa no seu lindo vestido especialmente comprado para a ocasião, retocando detalhes na maquiagem, — “Minha pretinha, pretinha minha, você se pintou. Pretinha, você faça tudo, mas faça um favor, não pinte esse rosto que eu gosto, que eu gosto e que é só meu. Pretinha tão linda, você já é bonita com o que Deus lhe deu” parafraseando Dorival. Ela, em cada movimento ao se retocar, expressa o seu gracioso sorriso dissimulado por saber que tenho olhares gulosos. Porém, sem ela saber, sinto discreto ciúme ao descobrir, empiricamente, que as mulheres, instintivamente ou maliciosamente, na verdade se enfeitam para se exibirem para as outras admirarem.
Outra maneira de participar é não dar por conta que já nos encontramos no teatro, no devido lugar, ouvindo murmurinhos de todos os presentes somados aos meus discretos com a amada, no eterno olhar de admiração à sua beleza. Faz parte, também, checarmos se os celulares estão realmente desligados, lançar olhares à cortina que em qualquer momento se abrirá deslumbrando a arte do cenário, da iluminação tecida pelos fios condutores de energia pelas mãos artísticas do profissional eletricista; no aparecimento dos componentes da orquestra produzindo pequenos acordes, aqui e acolá, visando as últimas afinações ou os disfarces das pequenas apreensões que os prolongados ensaios não conseguiram definitivamente eliminar. Lembro-me de uma preciosa lição: O medo é bom, já que nos mantêm alertas e concentrados durante uma empreitada.
Como a cortina permanece uma parede, lanço olhares imaginários à coxia onde os artistas, ansiosos, aguardam pela sua deixa. Ela também... A protagonista, a bailarina, que me fez produzir com arte para bem admirá-la, bem apreciá-la em ação. Imagino:
— Deve ela estar ansiosa. Pronta, mas ansiosa. Preparada tecnicamente, concentrada, relembrando gatilhos dos quais se necessita lembrar. Recorda-se dos gritos, conselhos, repetições dos mestres e coreógrafos:
— “Incansável fazer de novo, menina, não pare, preste atenção; pliés; développés; vamos lá menina, melhorando tudo, vamos repetir; grand fouettés en tournant; hum! sei que pode fazer melhor; coupés; attitudes; arabesques. Poxa… que sustentação é essa? Estética, garota, vamos lá, repetindo; melhorando o equilíbrio agora; pose incorreta, vamos alterar, vamos melhorar.”.
Chegou o hoje... Chegou-lhe o momento. Não cabem dores e volta. A cortina será aberta, a plateia a espera, eu a espero, a minha linda negra a espera. A ribalta está em ação. Tudo começa...
Ela encanta... Enche os meus olhos pela sua beleza através da arte... Cumpriu o papel que lhe cabia ser... Ah! o que seríamos se os bailarinos não fossem tão leves?
Terminou; feliz. Foi perfeita. Valeu o ingresso. Terminou; feliz. Foi perfeita. Valeu o ingresso. Pagaria novamente para ir embora extasiado pelo que vi.
Todavia, no seu sorriso durante os aplausos dos presentes em pé, ela indica graciosamente a todos no palco dividindo os louros. Ela alcançou le grand finale. Merecido.
Lança-me, também, o olhar, eu garanto, pois faço parte do espetáculo por adorar qualquer forma de arte. Tenho que tratar a encerrar a minha parte, conjuntamente. Com todos, em pé, aplaudindo, eu me dirijo a ela lhe falando pela incontida alegria da minha alma:
— Bravo...bravo... bravo...
Eis que os presentes acompanham a partir da minha iniciativa...
— Bravo... bravo... bravo.
Assim, então, eu dou por encerrada a minha participação. Tenho certeza de que, como meu costume, as flores que enviei à arteira bailarina já se encontram em seu camarim.