Pro meu amigo Bigato
Devia fazer uns quinze anos que eu não te via, hein, Bigato? Rapaz, como o tempo passa! E parece que a gente nem vive na mesma cidade, né? Sei que você se mudou depois do divórcio, e pra falar a verdade não faço ideia por onde você morou desde então, mas sei que nunca arredou o pé daqui. Já eu, você sabe né, tive aqueles enroscos lá atrás e acabei passando por uns perrengues, mas hoje tô limpo e não devo mais nada. Tô trabalhando como pintor e levando a vida do jeito que dá, mas hoje estou muito melhor do que tempos atrás. Ex-detento é foda, meu camarada, povo não dá oportunidade não. Mas tudo bem, devagar vou me reerguendo.
Já que falei do teu divórcio, lembrei daquela noite em que a gente saiu do colégio com as nossas minas - as duas tinham o mesmo nome, estudavam na mesma classe, tinham a mesma cor de cabelo e os mesmos olhos verdes. Caramba, a gente tava no auge, né não? O povo olhou embasbacado pra gente quando entramos na lanchonete com as duas. Tava na cara que pensavam "Puta merda, o que essas duas meninas lindas viram nuns caras tão desengonçados?" Não era a toa que te chamavam de Bigato - comprido e magrelo. E eu, com aquela cara cheia de espinhas, putz, era o cão chupando manga! Mas parecia que elas não estavam nem aí, na mesa naquele dia conversamos e rimos no maior foda-se pro resto do mundo. Cara, e imaginar que eu joguei fora uma vida boa daquela por causa de besteira, de nego que se dizia meu amigo e só me ferrou a vida. Você foi mais esperto, arranjou aquela boca lá na prefeitura, ficou quietinho no seu canto, tratou logo de casar, fez o certo. Acho que você devia ter ficado casado com sua primeira esposa, mas é só opinião minha, quem sou eu pra saber do que rolou entre vocês, mas é que ela era bacana demais, eu sinceramente gostava muito dela - essa sua mulher de agora eu não sei, nunca vi e nem ouvi falar. Mas beleza, a vida é sua, não me meto nisso não. Desculpa se falei besteira. Esquece. O importante é a gente estar vivo, né não?
Fiquei feliz em te ver, Bigato. Vamos tomar uma qualquer dia desses, lembrar dos velhos tempos, fazer um brinde - como a gente fazia antigamente. Sei que você tá passando por um momento difícil, a despesa é grande, pensão, filho pequeno, casa financiada. E o salário da prefeitura hoje em dia é uma merreca, político é uma bosta, cara, só tão aí pra ferrar a gente mesmo. Mas vamos fazer alguma coisa juntos qualquer hora dessas, beleza? Você sabe onde me encontrar, tô lá com a minha mãe, na mesma casa de sempre.
Abraço, Bigato. A gente se vê.