O que queres, jovem?
O que tu queres, jovem?
Que sonhos trazes?
Que mundo almejas?
O quão gigante ou inacessível é o teu sonho?
Sonhas com um mundo de paz
onde não haja opressores e oprimidos?
Privilegiados e desfavorecidos?
Racismo, preconceito, guerra, violência, ódio e rancor?
Não será isso utópico?
Mas, espera.... eu também penso assim.
Tal como tu, sou jovem. Já dizia André Mingas, “quero a vidar ver sorrir
viajar, ter amigos e ver África a florir”
Contemplar um belo pôr do sol nas Américas, Ásia, Oceania ou Europa
Sem, no entanto, me deparar com as barreiras físicas e invisíveis que os Estados fixaram
como forma de repulsão do novo, do diferente
que até pode agregar valor à sua sociedade
Todos os dias morrem migrantes nas fronteiras terrestres e marítimas
Por conta da pobreza e do preconceito humano
São pessoas que só queriam uma vida melhor para os seus e suas
Pessoas que lutam desesperadamente para fugir da guerra e da miséria nos seus países
Será que passam por isso por mero capricho?
Arriscam as suas vidas porque é bom fazer um belo passeio ao frio e ao vento
Nos grandes mares Mediterrâneo, Morto, Vermelho e por aí vai?
Apelo à humanidade!
Temos os corações mais gelados que a Antártida
Já vi jovens, como eu, serem humilhados, violentados, maltratados
E a morrer, por ousarem sonhar com uma vida melhor
Que mundo para nós?
Nações se levantam umas contra as outras
apenas para ver quem domina
Uma medição de forças, onde quem sofre são os mais fracos
A colonização terminou, formalmente
mas continuamos a sofrer outras formas de colonização
na moda, no cinema, no desporto, na ciência...
O Sul global continua refém do Norte
O mundo viveu tantos males, tantas guerras
Mas parece que não aprendemos nada
Países continuam a se guerrilhar só para mostrar quem manda
Quanta estupidez!
Destroem escolas, hospitais
Civis morrem, mulheres e meninas são estupradas
e usadas como escudos humanos
Destrói-se para depois gastar milhões com a reconstrução
Agigantamo-nos achando que somos melhores que os outros animais
Mas parece que somos piores
Oh jovem, o que queres tu? Paz?
Mas como? Se um grupo continua a se achar dono de toda a produção de saberes
de toda a estética?
E continua a ser a única referência?
Como ter paz se apesar de tudo o que os nossos ancestrais fizeram
África continua em guerra?
O nosso continente possui encantos e riquezas que fazem inveja aos outros
E, por isso, se conhecer a paz muitos interesses cairão por terra
Os conflitos no continente não atraem a atenção internacional
Os problemas dos africanos não comovem
Somos sempre o Outro do Outro
Parece que África não existe
Como queres paz, meu jovem?
Se os “grandes” poluem e quem sofre são os mais pobres
e que até desenvolvem ações de proteção ambiental
Como ter paz se a cor da minha pele faz de mim menos humana?
Se a minha condição física e orientação sexual me colocam à margem?
Como ter paz se me foi negado o direito de estudar
e aprender na minha língua de origem?
Se minorias étnicas são silenciadas
e passam por processos de apagamento?
Será que poderemos ter um mundo sem dor, decorrente da estupidez humana?
É utopia pensar assim, não é?
Mas a utopia é como a linha do horizonte
precisamos seguir para alcançar
Os sonhos sustentam a nossa vida e são o prelúdio da realidade
Sou uma jovem sonhadora, idealista
mas compreendo que devemos agir para provocar mudanças
Tantos e tantas jovens deram o melhor de si para iniciar uma revolução
Deolinda, Lucrécia, Josina, Dandara, Zumbi, Nkruman
Samora, Mandela, Biko, Cabral, Mondlane, Nierere
Luther King, Malcom X, Winnie, Sankara, Lumumba
só para citar alguns
Sigamos estes exemplos...
A revolução deve ser lúcida, atenta, exigente e permanente
até vermos uma África independente, já dizia mano Azagaia
Eu também quero o que tu queres, jovem
Chega de guerras e reconstruamos a ideia de paz
Paz verdadeira, sem camuflagens
Não uma falsa ideia de paz criada apenas para manter o sistema a funcionar
Há uma guerra constante entre marginalizados e marginalizadores
Não haverá paz enquanto guerras económicas continuarem
enquanto mulheres e outros grupos
continuarem a ser oprimidos em nome da “bem feitoria”
Sejamos francos
Não existem super-heróis. Só mesmo na ficção
Não há povo nenhum que precise de um herói para o salvar
A “ajuda” externa pode ser uma maldição
Chega de guerra e de subalternização
Parem de explorar!
Será pedir demais? Seja como for, é isso que quero
É isso que crianças e jovens precisam
E em tudo isso, a academia tem a missão de denunciar tais injustiças
e de formar, não corpos dóceis, mas críticos e inconformados