Lição de casa

Naquela noite de terça-feira, minha mãe tinha ido participar das aulas de corte e costura no Clube de Mães da igreja. Meu pai, no canto da sala, distraía meus irmãos menores, até que desse a hora de irem todos para a cama. Na mesma sala, eu tentava fazer alguns estudos sobre poesia. Era muito complexo o processo de construção dos versos, garantindo a musicalidade e o ritmo agradável, mas estava disposto a dominar o assunto.

Meu pai, que nem sabia ler e escrever, acabou ilustrando maravilhosamente a minha lição daquela noite.  Ele brincava com os meninos de “O que é o que é?”, fazendo perguntas, quase sempre em forma de versos com rimas e tudo.  As questões eram todas relativas ao meio rural, em que ele sempre viveu e conhecia muito bem.

Uma caixinha de bom parecer que carpinteiro nenhum sabe fazer.

Ninguém sabia a resposta, então, ele mesmo respondia que era o amendoim.

Quatro na cama, quatro na lama, dois parafusos e um que abana.

E vim logo a resposta: uma vaca no curral.

E depois:  Duas irmãs xarás no nome, diferentes no parecer. uma  come e a outra é para comer. Ninguém sabia que se tratava da lima – a fruta e a ferramenta.

E logo vinham as charadas com as respostas embutidas na pergunta. E, ainda assim, ninguém respondia certo ou demorava a encontrar a resposta: Perna de pau, barriga de ferro, tripa de fogo, Espingarda meu bobo!  Preto por fora, vermelho por dentro.  Tacho é.

E a brincadeira seguia:

Até que ponto o cachorro entra no mato? Até na metade. A partir dali, ele está saindo.

Qual a diferença entre o padre e o bule?  O padre é de muita fé e o bule é de pôr café.

Mel que não é da abelha, que não é de carneiro e cia* que não é de arreios.   Melancia   -  cilha*

Qual a diferença entre o brejo e o forno?  No brejo há sapinho e no forno assa pão!

Depois de qual volta que o cachorro deita?  Nem precisava contar para saber. Depois da última!

O cachorro é do rabo para trás ou do rabo para frente?  Do rabo para frente, pois do rabo para trás não há mais cachorro.

E a turminha se divertia a não poder mais! E ninguém queria ir para a cama naquela noite tão animada!

Parei meus estudos e fiquei prestando atenção naquelas lições de poesia que meu pai nos dava! Cada vez mais crescia minha admiração pela sua sabedoria e criatividade com as palavras.

A brincadeira durou até quase dez da noite, quando minha mãe voltou do curso e tratou de colocar todo mundo para dormir.

Por algum tempo ainda, era possível ouvir os pequenos repassando as perguntas feitas pelo meu pai. Por certo queriam gravá-las muito bem para brincar com os colegas na escola.

No dia seguinte, a professora pediu que eu falasse um pouco sobre os estudos que eu tinha feito na noite anterior.  Resolvi deixar de lado todas as teorias, tudo que eu tinha lido nos livros e comecei a falar sobre as brincadeiras de meu pai com meus irmãos.

A turma toda ficou muito interessada, e a professora teve muita dificuldade para encerrar a aula naquele dia! No final, todos queriam participar apresentando uma adivinha.

Então, para encerrar o assunto, a professora deixou um Dever de Casa para a turma: Cada um teria de trazer, na próxima aula, pelo menos três adivinhas, em linguagem poética, explorando figuras de linguagem, ritmo ou rimas.  Os alunos deveriam entrevistar as pessoas mais velhas da família: avós, tios ou os próprios pais.

Era meu pai, mais uma vez, contribuindo, mesmo sem intenção, para que as nossas aulas fossem mais ricas e divertidas!

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 18/07/2023
Reeditado em 20/07/2023
Código do texto: T7839767
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.