ANTOLOGIA DE CRÔNICAS REFLEXIVAS À LUZ DA SÃ CONSCIÊNCIA — Crônica (61): A Jornada do Autoproclamado Pastor.

Era uma manhã cinzenta, daquelas em que o sol parece esconder-se timidamente por trás das nuvens. Enquanto folheava o jornal, deparei-me com uma notícia intrigante, um anúncio em letras garrafais: "Torne-se um pastor em apenas 20 meses!". A curiosidade tomou conta de mim, e mergulhei naquelas palavras que revelavam um universo obscuro e inquietante.

Segundo o jornal, qualquer pessoa poderia se tornar um pastor, sem maiores exigências além de um curso por correspondência. Bastava desembolsar uma quantia módica de R$ 8,00 por mês, durante um período de 20 meses, e as apostilas seriam entregues ao aspirante a líder espiritual. Assim, em um piscar de olhos, alugar uma sala e erguer uma nova igreja tornava-se uma realidade tangível. Porém, algo não parecia certo nessa história.

Refleti sobre as entrelinhas daquele anúncio e senti um profundo desconforto. O que havia acontecido com a solenidade do ofício religioso? Onde estavam os grandes estudos sobre os escritos sagrados, os cursos de teologia, as reflexões exaustivas sobre interpretações? Tudo parecia ter se dissipado no ar, como se a essência da religiosidade tivesse sido esquecida.

A jornada para se tornar um pastor, outrora marcada por um árduo caminho de aprendizado e aprofundamento espiritual, agora era resumida a uma série de pagamentos e apostilas. Não havia espaço para as discussões intermináveis sobre o apostolado, a fé, a religiosidade, a esperança e a crença no potencial transformador do ser humano. O sagrado, antes reservado a poucos escolhidos, parecia agora disponível a qualquer um disposto a pagar o preço em dinheiro.

Enquanto o mundo ao meu redor seguia seu ritmo frenético, eu me via imerso em uma profunda reflexão. A comercialização da fé, presente de forma tão escancarada, parecia desvirtuar a própria essência da religião. Afinal, como confiar em líderes espirituais cuja formação se baseia em meras apostilas? Como acreditar em discursos que não surgem de uma vivência profunda e de uma busca constante pelo conhecimento divino?

Percebi que a religião, em seu cerne, deveria ser uma busca sincera pela verdade, um refúgio para as almas sedentas por significado. Não se trata apenas de recitar palavras prontas ou ocupar um posto de liderança sem o devido preparo. A religiosidade é uma jornada de autodescoberta, de conexão com algo maior que nós mesmos.

Ao concluir a leitura daquele anúncio polêmico, senti um misto de tristeza e indignação. Não podemos permitir que a essência da religião seja banalizada, transformada em uma mera mercadoria. Cabe a cada um de nós, como buscadores de verdades espirituais, discernir entre a superficialidade e a profundidade.