Distração

Agora, imediatamente agora, me lembrei de alguns casos de distração, espécie de esquecimento. Nada com alguma coisa, se me lembro bem. "Analfabética", para começar.

"Não me lembro. Que é que isso?", perguntei. Me disse que era analfabeta em letras e números. "Faz sentido", respondi. Gostei da definição, fiquei impressionado e julguei-a muito instruída, a "analfabética".

Para aliviar a surpresa, a pé e meio sóbrio, dei voltinha na Avenida da Saudade, em São José da Laje, e encontrei esse motorista que tentou abrir a porta do carro com o controle remoto da televisão.

Não o julgo. Distração, quem nunca? Já fiz semelhanças. Outro dia, se não fosse mãe, sempre alerta, ia atender o leiteiro com a camisa ao avesso. (Eu estava vestindo camisa ao avesso, e não o leiteiro, esclareço, embora leiteiro, às vezes e por distração, esteja sujeito a vestir camisa ao avesso também.)

Então mãe me livrou do vexame, e eu fui atender o leiteiro, que estava meio distraído aquele dia. Ao passo que despejava o leite na vasilhinha, ficou envolvido com algum pensamento distante, não percebeu a vasilha encher. Muito menos eu dei fé, pois estava sob efeito do entorpecente Natasha. Aí quando percebemos o desperdício de leite, lamentamos ambos, principalmente o amigo leiteiro.

Eu quis pagar a diferença, mas o leiteiro não aceitou. Argumentou que o "culpado" foi ele, que se distraiu, pensando em alguma besteira. Para não ser invasivo em demasia, não perguntei em que besteira o leiteiro pensava no momento do prejuízo, mas espero que tenha sido uma besteira alegre, para compensá-lo.

Não sei se o leiteiro é de acordo, mas é preciso que as nossas distrações nos recompensem, pois nos levam boa parte do dia. Eu mesmo gasto em média 2/3 do dia com elas. Se usasse o tempo gasto com vídeos no Youtube, aplicativos sociais que me dessocializam, notificações de mensagens, e-mails, para me distrair com outras besteiras (que não Natasha, a maior de todas "minhas" besteiras), talvez me restasse mais tempo para chorar sobre o leite derramado.