DONA DA MINHA CABEÇA
- Crônica do dia 14 de julho de 2023 -
Um dia eu decidi que iria cantar no trem. Sim, me inscrevi no The Voice e fui para o trem passar o chapéu e garantir o pão. Foi um dos meus primeiros dias cantando, vivendo a música. A de artista de verdade! O artista que vai para a rua garantir o pão e que carrega consigo a fé de ganhar o suficiente para comer uma comida digna, que dá pra comprar no Bom Prato, e alguma coisa entorpecente para beber junto com os outros artistas, na praça à noite e o sonho de pisar em grandes palcos.
Ainda era difícil.
Creio que começar seja uma das coisas mais difíceis que existam na face da Terra. Eu morava em Rio Grande da Serra, inclusive foi quando compus aquela música “O papel tá na máquina/ Eu vou pegar você no trem...” um popzinho pra curtir junto com kid abelha e “Nós vamos invadir sua praia”. Que é quando a Vodka ainda não fez o efeito negativo dela, e ainda estamos todos felizes na festa.
Começar era tão difícil, que eu pegava o violão, ia até a estação Brás e voltava até Rio Grande da Serra, pra poder criar coragem de começar a cantar na próxima estação, que era Ribeirão Pires. Houve bastantes dificuldades, como a truculência da Polícia Ferroviária, que nos expulsa dos trens, a violência por parte dos guardinhas terceirizados, o músico é visto como um criminoso, no Brasil.
Acredito que toda a classe artística se veja um pouco assim. Desprezada por todas as outras classes de trabalho como se aquilo que fazemos não tenha relevância nenhuma para a sociedade e nem cause nenhuma interferência na vida das pessoas.
E eu já estava começando a acreditar nisso, quando eu vi um sorriso. Um sorriso com um olhar tão puro que me cativou ao extremo. Ela abriu a carteira que estava dentro da bolsa e me deu uma nota cinco reais que guardo comigo até hoje, para dar sorte. Foi a desculpa que eu precisava para continuar ali na frente dela tocando todas as músicas que ela quisesse e tivesse vontade escutar, e se eu não soubesse tocar, eu fazia um jeito.
A que eu mais me lembro foi “Dona da minha cabeça, ela veio como o carnaval, e toda a paixão recomeça, ela é bonita, é demais. Não há um porto seguro, futuro, também não há...” Teve um momento em que a porta se abriu e eu tive de sair correndo com o violão para não ser pego pelos guardas. Mas não antes de conseguir fazer um jeito de nos comunicarmos depois pelas redes sociais.
Os dias foram passando e foi parecendo a cada dia que me maltratava, que, realmente não havia futuro, e que era só um devaneio, um olhar tão lindo, tão profundo, um verdadeiro carnaval que chegou nas cinzas. Uma alegria tão sincera. Um sorriso tão terno, tão inocente, tão bonito, além, é claro, do fato de ela ser atriz, modelo, encantadora, além de linda e reluzente.
Eu sei que todos os dias vejo seu perfil no Facebook pra me inspirar a sonhar. Um dia eu já achei que todos os sonhos foram feitos para serem vividos. O que eu não tinha percebido é que cada sonho se vive de uma forma diferente, e talvez não seja a que nos alegre, e sim, a que nos angustie. Mas, também, pode ser só “TALVEZ”. Parte do destino está em cada um de nós, afinal.
Graciliano Tolentino