Túnel

- Você age de uma forma desnecessária de vez em quando. – Carlos murmurou, encarando o copo de caipirinha que ela tinha acabado de comprar e que pingava sobre a mesa de tão gelado.

- Gosto de fazer as coisas que tenho vontade, quando eu tenho vontade. – Ela respondeu.

- Percebe-se.

- É bom que você perceba mesmo.

- De você eu imagino tudo, mas infelizmente, não posso esperar nada. – Carlos disse.

- Sim, e daí?

- E é muito fácil pra você me colocar na posição de alguém que cobra e quer algo que você não pode dar.

- E não é assim?

- Talvez seja mais sobre você querer que fosse assim... Que eu quisesse algo de você. Algo além... Por que só assim... só assim você teria o poder de me negar, ou o poder de escolher a hora de me dar o que eu tanto queria.

Ela encarou Carlos por alguns segundos e soltou um riso meio debochado.

- Se eu sou uma pessoa tão ruim assim, e você tão iluminado a ponto de perceber tudo isso, por que você está aqui perdendo o seu tempo me dizendo essas coisas?

-Eu não sei dizer se você é uma pessoa ruim ou não. Eu não tenho essa régua. Nem quero. Mas enfim. Eu estou aqui talvez por um certo masoquismo meu, ou pela necessidade de alimentar uma ilusão... Ou talvez esperando que de alguma forma eu seja capaz de te causar alguma sensação. Nem que fosse uma raiva de momento.

- Você pensou muito nisso antes de me dizer, não foi? -- Ela murmurou com o riso desaparecendo dos seus lábios.

- Muitos desses pensamentos já circularam na minha cabeça sim. Como uma dúvida sem solução... Como uma goteira pingando dentro de um balde...

- Você nunca vai saber o que eu estou pensando realmente. Você só vai saber o que eu quiser que você saiba. E eu pensei que você já tivesse consciência disso.

- De certa forma uma pulga atrás da minha orelha me dizia que as coisas seriam assim contigo. Mas enfim, eu nunca fui de ouvir conselhos de ninguém, seja dos outros, ou da minha própria consciência.

Ela sorriu e levou o canudo até o meio dos lábios e tomou um gole de caipirinha. O batom marcado, a bebida desaparecendo aos poucos... Carlos quase se sentiu como as pedras de gelo no fundo do copo... Preso... Derretendo longe da boca dela.

Carlos se levantou do sofá, esticou as costas e coçou a barba.

- Talvez seja um bom momento pra olhar pras as coisas de uma forma diferente.

- Diferente como?

- Colocar um pouco de distância pra ganhar outra perspectiva.

- Você que sabe. – Ela respondeu, depois de deixar o copo novamente sobre a mesa.

Ela descruzou as pernas, colocou a mão entre os joelhos e olhou no fundo dos olhos de Carlos.

- É. Eu que sei. – Ele respondeu.

- Pois eu vou estar no mesmo lugar. Por enquanto, pelo menos. – Ela falou, antes de se levantar.

Não demorou muito e ela desapareceu, sentada no banco de trás de um carro.

Pela janela, o último olhar dela era o mesmo do primeiro dia. Profundo... Sem fim...

Ele via muito mais longe do que antes, era certo.

Mas Carlos estava cansado demais pra procurar uma luz no fim daquele túnel.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 10/07/2023
Código do texto: T7833451
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