A luta perdida de Nelson Rodrigues
Pelo menos há 60 anos, a imprensa ocidental compartilha de similaridades em um número muito maior do que outrora. Com a popularização do jeito New York Times de fazer jornalismo, o dito news fit to print, mote do diário nova-iorquino, cujo significado denuncia a ética de trabalho segundo gostam os americanos, carregou consigo um novo modo de pensar a produção de notícias, mais adequado ao modelo fordista de que as folhas de papel necessitavam para ser pagas. De Manhattan ao trópico sul, a viagem da "idiotice da objetividade", no jargão rodrigueano, enxergou um berço esplêndido nos braços dos donos da tinta. Cortar todos aqueles floreios estilísticos e vaidades literárias, cerrar a narrativa num universo vocabular estreito e sintaxe simples era estupidamente conveniente. O tempo que se perdia na reconstrução poética dos fatos ganhava-se na elaboração de mais e mais notícias, como no outro mote da Terra do Tio Sam: time is money!
Porém, como toda inovação tecnológica que entra pela porta e expulsa uma massa de desempregados pela janela, os jornalistas daquele tempo teriam que se adaptar ao novo ainda por vir, e que avançava numa marcha obstinada. Para onde iriam, ora, aqueles vaidosos que esculpiam cada notícia como se fosse uma escultura de Rodin? Que delineavam cada reportagem como se fosse o esboço de um quadro de Monet? Rua ou remo! "Contenta-te, empregado, pois tu não és mais artista de galeria, muito menos artesão de feira: agora, és proletário". Ao menos é com esse teor ultrajante que Nelson Rodrigues, um ferrenho desaprovador dessa prática, interpretou os novos ditames da imprensa. Longe de terminar em inquietação quieta, seus murmúrios ecoaram pelo jornalismo brasileiro, como um herói romântico que desejava mudar o curso do rio da História com os músculos de sua própria vontade. Inútil, pois os tempos já eram outros: homens comuns ficavam impotentes ante os gigantes da História, e a força espiritual da retórica prosaica e estilo ácido de Nelson, aos poucos, se emudecia em meio ao ranger das engrenagens.
A idiotice da objetividade venceu, portanto, e Nelson lutou bravamente até o fim. Ao contrário de um guerrilheiro socialista, não se exilou do Brasil rumo a Europa, onde foi preservado algum resquício do jornalismo artístico que ele tanto apreciava. O reacionário viu in loco o jornalismo do país ceder ao sotaque anglo-saxão e readaptar a forma com que se comunicava, e os velhos de guerra que aqui sobraram - Alberto Dines, Paulo Francis e outros - se refugiaram nas colunas de opinião, onde a fluidez da forma e a personalidade sobrevivem até hoje.
Todavia, para fazer justiça com o Anjo Pornográfico, a mudança pela qual passou o jornalismo do Brasil obedece a constantes muito superiores à força de um só homem - aliás, de múltiplos homens. Todos os inimigos da modernidade juntos: Leo Strauss, Eric Voegelin, René Guenón, Frithjof Schuon, Carl Schmitt, Oswald Spengler e cia, até hoje, não conseguiram produzir, no frigir dos ovos, um arranhão sequer nos andaimes do nosso tempo. A égide da Ciência, do culto da Razão e de demais novos-deuses pagãos, dos quais o mito da descrição objetiva é filho, está longe de terminar. A objetividade, por mais que pareça idiota nos meandros das Letras, obteve exemplar sucesso nas ciências naturais. Mas será que todo esse progresso pode ser transposto ipsis litteris às coisas do espírito tal e qual aconteceu com as coisas da matéria? Será que à evolução linear da humanidade, tal como aventou Auguste Comte, obedecem todos os feitos humanos? Para tanto, teríamos que contrariar os vitimados pelas autocracias modernas, que eram cheias de razão prática e fome de progresso.
A poesia vulgar, lotada de esgares veados e impressões azedas com certeza não tem lugar na narração de um fato, pretensamente objetivo ou não, principalmente daqueles mais sensíveis. Contudo, talvez Nelson nos queria alertar para o tique analítico introjetado pela notícia e seu efeito colateral na perda do sentido que a razão não pode alcançar. Os românticos não precisam ser deficientes de razão, como não são deficientes de paixão os jornalistas, porque ambas as faculdades residem em todos os humanos, e nenhuma sozinha em nenhum deles. Como todo reacionário, antes de berrar àquilo que vem pela frente, Nelson buscava resgatar o que foi esquecido pelo caminho.