Páginas imortais da nossa literatura
Reli mais uma vez, agora mesmo, “Uma carta e o Natal”, de Carlos Heitor Cony, a última crônica que ele escreveu, tanto a última de sua vida quanto a última para o jornal Folha de S. Paulo. Foi publicada no dia 31 de dezembro de 2017, às 2 horas, ou seja, de madrugada, nas primeiras horas do dia. Cony faleceria no dia 5 de janeiro de 2018. Claro, eu já disse (ou, melhor dizendo, escrevi) isso antes, em outra crônica. Sou mesmo repetitivo. Ser repetitivo de coisas boas – penso – não faz mal. Meu pedido de perdão a quem não gosta. Ninguém agrada a todo mundo. Que eu, pelo menos, agrade à maioria!
Carlos Heitor Cony, como já escrevi tantas outras vezes, era um dos meus cronistas preferidos. Escreveu crônicas belas, páginas imortais da nossa literatura, não obstante, na maioria das vezes, escrevesse cerca de trezentas ou quatrocentas palavras em cada crônica. Não é a quantidade que agrega valor ao feito, é a qualidade. “Uma carta e o Natal” – que, incluído o título, tem trezentas e dezoito palavras – é a prova incontestável disso, como também o são tantas e tantas outras crônicas do próprio Cony e de outros cronistas. Cito aqui propositadamente apenas três, em ordem alfabética: Rachel de Queiroz, Ruy Castro e Otto Lara Resende. A lista deles é imensa.
“Uma carta e o Natal” tem algo de místico, de inexplicável, de memorável, de sei lá o quê, que me leva de vez em quando à sua releitura. Não só por ser, obviamente, a última crônica do grande escritor carioca. Talvez também por isso. Não, não é por isso. E creio que deva ser do mesmo jeito com muitos outros leitores e amantes da literatura e de uma bela crônica. Recomendo, pois, a quem ainda não a leu. Vale a pena (paga a pena, como diria o também grande cronista Machado de Assis).
Pois bem. Não citei por acaso Rachel de Queiroz – como Cony, Castro e Resende, imortal da Academia Brasileira de Letras. É que eu queria relembrar, como relembro, a sua crônica “Os salteadores à solta na floresta urbana”, publicada em 2 de novembro de 1990, no jornal O Estado de S. Paulo, “que é uma página realmente extraordinária em toda nossa literatura, embora tenha sido escrita como uma crônica”. Não sou eu que o digo. Quem o disse foi ninguém menos que outro imortal, o acadêmico Abgar Reanult, na sessão do dia 21 do mesmo mês da Academia Brasileira de Letras, quando se comemorou o aniversário de 80 anos da ilustre escritora cearense.
A crônica de Rachel de Queiroz – que, antes que me esqueça de dizer, foi lida solenemente por Abgar Renault – ficou registrada nas páginas 261 e 262 da Revista da Academia Brasileira de Letras, ano 90, volume 160. Como disse o imortal Carlos Chagas Filho, terceiro orador da sessão após Abgar: “Há certas coisas a que não resistimos.” Digo, pois, que recebi de presente da Academia Brasileira de Letras, com muita honra, esse e outros volumes da sua revista, bem como três volumes, rica e luxuosamente encadernados, dos Discursos Acadêmicos, ou seja, tomo I, tomo II e tomo III, obras que – desnecessário dizer – leio e conservo com a mais profunda gratidão.