QUANTA DIFERENÇA...
Desde muito criança ouvia dizer que as chuvas de janeiro tardam, mas não faltam, mas nem sempre essa assertiva se confirmava.
Lembro-me bem de anos em que os janeiros passaram sem nem uma nuvenzinha para toldar o sol causticante que fazia com que a pele dos ombros se destacassem quando estávamos à beira mar, veraneando...
Daquele calor intenso nas tardes alimentado pela brisa morna mesmo sob as velhas mangueiras repletas de frutas doces, irresistivelmente deliciosas.
Morei desde sempre no Recife, capital do Estado de Pernambuco, onde por força da aragem vinda do mar a temperatura era mais amena que no interior, salvo nos terrenos altos depois da Zona da Mata, tanto no agreste como no sertão de clima semiárido. Pouca chuva, concentrada em poucos meses, sobre terreno cristalino onde a Caatinga viceja.
Durante o carnaval, entre fevereiro e março, sempre houve precipitação.
Muitas vezes chuvas desastrosas, com deslizamento de morros, alagamentos por toda a cidade.
Em março, no dia de S. José, a tradição dizia que se não chovesse, haveria seca brava.
Dois ou três dias depois começava o outono, mas o sol continuava causticante, indiferente à mudança da estação.
As chuvas se faziam presentes, mais constantemente, embora a temperatura se mantivesse praticamente inalterada com variação menor do que 10ºC durante o ano todo. Hoje está diferente.
Na medida em que os dias iam passando, a proximidade do inverno trazia as noites frias das festas juninas, as ventanias em julho e o vento Nordeste de agosto, mês dos cachorros doidos, das galinhas com gogo e tempo de empinar papagaio.
A partir do dia da Independência, recomeçava a temporada de praia pois, a primavera era só um verão mais ameno, o qual, no próximo janeiro estaria com força total. Afinal o Recife está a apenas 8º de Latitude Sul
Há onze anos mudei para Santo André/SP que está a 23º de Latitude Sul e isso faz com que as condições do tempo sejam, muitas vezes, diametralmente opostas às do Recife.
Recebemos influência das zonas tropical, subtropical e temperada quando as frentes frias do Sul, conseguem se insinuar entre as massas quentes vindas da Região Norte.
Em comparação livre com o traçado das autoestradas, sem qualquer precisão científica, podemos dizer que estamos numa grande rotatória para onde convergem muitas vias de diferentes origens.
Os ventos, que no Recife, na maior parte do ano têm direção SE/NO, por se originarem no deserto de Calaári, por aqui não obedecem a um padrão único, podendo variar a qualquer dia ou hora.
Os janeiros, na maioria das vezes, são chuvosos. Chuvas intensas, bem mais desastrosas do que as do Recife por atingirem população mais numerosa.
A umidade vinda do mar traz nas tardes, mesmo nos dias mais quentes, a névoa que a observação empírica diz “névoa baixa, sol que racha” porque o dia seguinte será tanto ou mais quente do que aquele que se finda.
A partir de março, quando chega o outono, as noites se tornam frias, os ventos gelados levam a umidade relativa e os dias se tornam secos.
Dias e dias sem sequer uma gota de chuva. No inverno de céu claro, a luz do sol poderia cegar camelos, mas não esquenta. Por dias consecutivos os termômetros, nas horas mais quentes, ficam abaixo dos 15ºC (congelante para qualquer Nordestino).
Depois a primavera se insinua entre as aragens frias e o verão, com temperaturas beirando os 30ºC volta com as chuvas torrenciais.
GLOSSÁRIO
Caatinga = Mata branca na língua Tupi
Deserto de Calaári = abrange África do Sul, Angola, Botsuana, Namíbia
Dia da Independência = 7 de setembro
Dia de S. José = 19 de março
Gogo = doença de New Castle, viral.
Papagaio = arraia, pandorga, pipa, quadrado
SE/NO = sudeste/noroeste