CASACO MARROM

A ATUALIDADE DO CASACO MARROM

- OU A BOMBA H AINDA QUER EXPLODIR NO JARDIM

Nelson Marzullo Tangerini

Um dia desses, sintonizado na Rádio JB AM, ouvi a canção “Casaco Marrom”, de Renato Correa, Guttemberg Guarabira e Danilo Caymmi, na voz de Evinha, ex-integrante do saudoso Trio Ternura, grupo formado por Eva Correia, Mário Correia e Mariza Correia, que me fez “voltar aos velhos tempos de mim”, tempo bom, apesar da intragável ditadura, que prendia, torturava e matava. Bons tempos porque podíamos enganar os fascistas com figuras de linguagem, letras bem elaboradas e inteligentes.

Retornei, logo depois dessa viagem, pensando que, por pouco a bomba H (o fascismo desses últimos 4 anos), não explodiu no nosso jardim, matando a flor em botão (o curto verão da democracia), espremida entre uma longa ditadura e o sonho de alguns de fazer a ditadura voltar, o que nos assustou.

Fui para a rua, momentos depois, e dou de cara com um ex-aluno, que exigiu de mim uma opinião sobre a “inelegibilidade” (Ó palavra difícil!) do inculto e desastrado presidente que pensou destruir a intelectualidade do Brasil, mergulhando o país no atoleiro do negacionismo, do autoritarismo e do preconceito mais obtuso que possa existir.

Mostrei ao ex-aluno, um evangélico fundamentalista, mas muito educado, que aquela cavalgadura merecia a ilegibilidade e muito mais, que deveria ser preso pelo mal que fez a todo o povo brasileiro.

Totalmente desinformado, o rapaz me perguntou o que o capitão tinha feito de errado.

- Então você não leu os jornais, as revistas, não assistiu aos telejornais? – perguntei.

Sua resposta não podia ser outra:

- Não li os jornais. E não assisto à tv Globo. A imprensa é de esquerda, comunista, e procurou destruir o ex presidente durante esses quatro anos.

Enumerei todas as atrocidades cometidas durante esses 4 anos, enquanto ele, atento, escutava tudo o que lhe dizia. E perguntei-lhe, ainda:

- Você não viu o que os fascistas fizeram no dia 8 de janeiro? Você apoia aqueles atos de vandalismo?

- Claro que não, professor?

Durante esses 4 anos – e antes disso, até - uma lavagem cerebral, que chamamos de “jejum de notícias”, foi feita dentro das igrejas, que alimentaram toda essa alienação, toda essa desinformação programada que perdura até hoje.

Depois de um longo colóquio com meu ex aluno, eis que recebo um convite para visitar e frequentar sua igreja, repleta de cadeiras de plástico brancas, bem arrumadas, localizada num espaço onde funcionou outrora um armazém e, depois, um ferreiro.

Minha resposta foi não:

- Vocês apoiaram o genocida. Sejamos amigos, mantendo um diálogo sempre democrático, sem doutrinação.

E prossegui na minha caminhada, tentando elaborar uma crônica sobre a canção “Casaco marrom”.

Direcionar meu pensamento para aquela música era o que mais queria, porque discutir política com quem está preso a valores conservadores e ao autoritarismo é algo muito desgastante. Preferi, a algaravia das ruas, enquanto ia me lembrando daquele triste e amargo momento regado a músicas de altíssima qualidade, tentando imaginar qual será o futuro da música brasileira, hoje entregue a compositores, que, além de não terem expressão alguma, assassinam a língua portuguesa, misturando, por exemplo “tu” com “você” na mesma composição.

Quero “voltar aos velhos tempos de mim, vestir de novo o meu casaco marrom”, enquanto sonho com um mundo de “Paz e amor”, que se alimente de solidariedade, humanidade e de músicas que iluminem a alma.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 04/07/2023
Reeditado em 04/07/2023
Código do texto: T7828834
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