O desejo de vagar trouxe o devagar

Desde sempre vivi num corre-corre até que noutro dia, bem cedinho, estava eu num ônibus, agoniada porque as árvores passavam devagar e eu precisava chegar mas, de repente o engarrafamento chegou primeiro. Comecei a pensar sobre o porquê de tanta pressa. Levantei-me, pedi ao motorista que parasse o ônibus, desci lentamente as escadas e fiz o caminho de volta, a pé. Foram tantos quilômetros naquela reta, depois dobrei à direita, segui mais um tanto grande, depois outro tanto maior que pensei que não conseguiria completar todo o caminho de volta pra casa. No meio do caminho, parei para almoçar na "Parada de Arcádia". Enquanto almoçava, não parava de vagar nos pensamentos. Depois continuei, agora bem mais devagar, subindo na Serra da Viúva, que é a serra de Miguel Pereira, segui subindo, observando os carros que subiam e desciam, com pessoas apressadas para chegarem em algum lugar. Já era noitinha, quando, finalmente, terminei o trajeto . Sentei-me no balanço, bem na frente do quintal, para esperar as estrelas. E devagar, muitas lembranças foram chegando, desde quando eu era menina, lá em Honório Gurgel, onde nasci. Minha primeira professora, que nunca soube o nome, mas era a "dona Cotinha". A Escola Olegário Mariano onde estudei o primário e aprendi a gostar de balanço, havia alguns logo na entrada e, acho que eu gostava mais do balanço do que outra coisa. Mudamos então para Quintino Bocaiúva, onde meu vizinho, o Arthur Antunes Coimbra, mais tarde, o ilustre ZICO, do meu Flamengo, naquela época, já andava de calção, não nos campos de futebol, mas pelas ruas do bairro. Depois, mudamos para o Méier, onde eu já estudava no CEBR - Colégio Estadual Bento Ribeiro. Quantas saudades e tantas amigas queridas! ( Por muito tempo, o CEBR era só meninas ). Lá estudei do ginasial até o primeiro ano Clássico. Minha primeira foto para o Colégio, foi com a camisa da Evinha, do "Trio Esperança". É que minha madrinha, dona Amélia, vizinha da família talentosa, pediu à mãe da Evinha, que já estudava no Bento, a camisa emprestada. Era 1963 e, com o LP "Nós somos sucesso", com as músicas mais tocadas nas rádios, "Filme Triste", "O sapo" e "O passo do elefantinho", seguimos felizes para sempre...

Agora, bem perto de ir trabalhar na Embratel, fui terminar o "clássico" no Rivadávia Correia, na Presidente Vargas...Era lá, no portão do Colégio, que eu parava pra ver passar, todos os dias, o José Datrino, mais conhecido como "Gentileza". Ele era um pregador urbano brasileiro, nascido em São Paulo, mas que se tornou conhecido por fazer inscrições peculiares nas pilastras do Viaduto do Gasômetro, no Rio de Janeiro. E continuei Correndo "para ser gente", era isso que ouvia dos mais velhos... Tudo começava com " É preciso estudar". O querer ter um bom emprego, uma boa casa...a moto e ou o carro dos sonhos ...

Eu queria correr para chegar no início dos bailes, das domingueiras, nos clubes do bairro e ver os dedinhos levantados, querendo a vez para dançar comigo! "Quem não acreditar, venha ver a multidão, que com ela quer dançar...", com certeza, Roberto e Erasmo Carlos fizeram essa canção pra mim...

E o corre-corre continuava. Agora, era o desejo de conhecer o mundo, lugares, pessoas e seus costumes... e depois, casar, ter filhos e netos. Seria esse o porquê de continuar correndo? Foram tantas emoções! Agora estou bem, bem mais devagar. Só não entendo o porquê de me chamarem de elétrica na academia e nas aulas de dança que frequento. Na roça, no mato e na horta, estou colhendo o que comemos. Parei e não foi na contramão. Há uma hora em que é preciso andar devagar, quase parando . Minha mãe já dizia "Devagar se vai ao longe e, com os sonhos, nunca devemos parar !" E , quantas vezes sonhei alto e cheguei lá ! Agora, vez em quando,

também sonho literalmente no alto, nos voos de parapente. Amo quando a biruta indica a posição e intensidade do vento, favoráveis para eu voar! Lá de cima, vejo o mundo mais colorido e divertido. Tão absorta eu estava no balanço quando, de repente, Godofredo, Fred e Erick coaxaram tão alto que me assustaram. Pois é, aqui, até os sapos têm nomes!

Jandiel

Jandira Leite Titonel

jandiel
Enviado por jandiel em 01/07/2023
Reeditado em 06/01/2024
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