Sem título
Escrevo em teclados para não entortar as linhas.
Sentado no chão curvado ainda caço palavras para as rimas que já desisti de fazer.
Pensar é um luxo e como por ora tenho tempo, desperdiço-o.
Lembro de uma psicóloga, não lembro qual linha teórica ela seguia, dizendo para uma pequena plateia que após satisfeitas as necessidades básicas como alimentação, lazer e sexo, ainda sobra um vazio que deve ser preenchido.
Eis a armadilha. Quem disse que o vazio DEVE ser preenchido? Não demorou muito para eu perceber que ela estava tentando impor de forma sutil a necessidade de Deus (aquele que a gente está acostumado da tradição judaico-cristã) para o ser, como se fosse condição sine qua non para a existência.
Bocejei.
Abri o bloco de notas e comecei a rabiscar uma folha em branco. Pensamentos levavam a memórias que brincavam de ir e vir entre o cheiro e o corpo dela, o sabor de um Casillero del Diablo que me faz salivar, o som da agulha tocando o disco e aquele sopro suave de Miles no trompete que resultou numa síntese celeste que os habitantes do Olimpo teriam inveja.
Continuo de corpo presente na palestra enquanto minha alma navega no vácuo cósmico. Na mensagem motivacional que preambula o fim daquele martírio tedioso, mantenho o foco no som do motor do ar-condicionado da sala até ouvir o bipe do mesmo sendo desligado.
Levanto-me e me despeço brevemente com um sorriso falso. Sobre a mesinha no canto estão pratos plásticos com farelos de bolachinhas e a garrafa térmica vazia com manchas de café adoçado que já atrai formigas.
Lá fora o Sol indica que são entre três ou quatro da tarde.