Carpe Diem Campinense
 

          Sem que tenha nada perguntado, Beto me apontou o longo carro de luxo que passava e explicou ser a satisfação do motorista: “Ele não deixa que dirijam o carro dele, ele próprio vai para todo canto sozinho, enfrenta até a pista para João Pessoa, mesmo com mais de noventa anos. Faz sempre seu passeio matinal pelas ruas de Campina...” Por isso, feliz nas manhãs de todos os dias, inicia assim o seu carpe diem, e, por acontecer em Campina Grande, é um carpe diem campinense. Era cedo da manhã, a fogueira ainda queimava suas últimas brasas, e quem tivesse cantado “é proibido cochilar”, ainda não tinha dormido. Sim, estava, ali, ele vivenciando seu carpe diem, sorridente, ancho, cheio de si, no volante do seu Mercedes, como se fosse um dos belos dias da sua juventude. Vez por outra, esguelhava os olhos pela janela esquerda, para observar quem o estava admirando, mas não saía da marcha de ostentação, sem velocidade, no seu gostoso carpe diem. Como sempre, como se fosse um paramento para o rito, não dispensava uma boa roupa, ou porque a idade exigia elegância.
          Naquela idade, a habilidade também o distinguia; servia para dizer aos mais jovens, mesmo àqueles ainda sem a idade para dirigir, que, na vida, um dos maiores valores é a experiência, o conhecimento adquirido pelo bom senso. Ninguém nasce já com experiência e aprendendo as coisas na prática, o que requer muitos quotidianos. Esse valor, que se experimenta, não se transfere, trata-se de uma aprendizagem extremamente subjetiva. Completamente diferente da transferência igual à conhecida transação de dinheiro através de banco. Somente quem adquiriu a experiência sabe e se capacitou a usá-la na sua inteireza.
          A experiência também propicia confiabilidade a si e aos que conhecem a história das pessoas experientes, quanto maior a experiência, maior será a confiança de que as coisas vão dar certo. A um pré-adolescente não se confia um carro para uma viagem ou a um percurso num tumultuado trânsito, mesmo que ele demonstre todas as habilidades na direção, reconheça as passagens de marcha ou saiba tudo sobre o acelerador. Porém, falta-lhe a experiência, o que abunda naqueles de mais avançada idade. Essa comparação se aplica ao desempenho de outras e outras atividades da vida. No entanto, no mais competitivo mercado do trabalho, lamentavelmente e por outros interesses, supervaloriza-se a quantidade acima da qualidade. Ou seja, numa visão meramente utilitarista, sobressai-se a força ou a energia e produção, que certamente possuem os que são mais novos. É o que historicamente se observa na clássica luta da quantitas versus qualitas. Enfim, é melhor se obter um ótimo do que três mais ou menos bons...
          O galante senhor campinense, com mais de noventa anos, que motivou essa crônica, estaria livre desse aspecto, enquanto lhe há energia suficiente e experiência bem maior do que as daqueles jovens iniciantes... Advirta-se que a querida valorização da produção, mesmo quando acontece excessivamente, é gerada pelo exacerbado utilitarismo, que não considera quem faz mais com qualidade e sabedoria, para se utilizar daquilo produzido em maior quantidade com menor qualidade. Isso seria uma esperta estultice, sem se processar um sábio juízo. Lastima-se que, na realidade atual, ocorrem as imagens da fábula O Pardal e a Lebre, em Fedro, quando o pardal ri e escarnece em ver a águia  estraçalhando a lebre. O pardal zombou daquilo que lhe viria acontecer...