Coração Noturno
As chamas da fogueira bailam no ritmo suave das brisas de outono e dos sons peculiares da madrugada. Apesar da vitalidade do corpo sua alma inflama, seu coração é brasa. Mais um dia escuro, apesar da lua cheia no retrovisor da moto.
O odor fétido da dor envolve suas lembranças. Ele se abaixa, pega mais gravetos, arremessa na fogueira e observa as fagulhas subirem descoordenadas.
Dá uma última olhada no celular, enche o peito de coragem, reflete congelado no tempo e com a consciência leve expurga todo sentimento sombrio que o arrastava para o abismo. As flechas envenenadas que o mundo lhe atirou vão se desintegrando, queimando feito fogo consumindo papel carbono.
Por alguns segundos seu indicador direito escorrega pelo revólver até aparta-se completamente do gatilho. Ele abaixa a arma que repousava em sua têmpora. Um mar de alívio inunda suas retinas e com os braços estendidos ele observa confiante o bailar das chamas.
É renascimento, é renovação. Um novo horizonte se avizinha trazendo sol e calmaria.
A Vida não é uma estrada sempre colorida e linear. Há entraves e espinhos e apesar das chagas entranhadas em sua alma, ele escolheu o caminho sinuoso. Escolheu viver.
Agora, com a fúria dos quatro cilindros rasgando a madrugada e deitando a vegetação empoeirada da estrada, ele só pensa em chegar em casa e rasgar a carta que deixou sobre a mesa da cozinha.