Até a Próxima
O mangue está movimentado mais uma vez. Gargalhadas hipócritas ecoam noite afora. Polícia. O choro rasgado e estridente corta o breu como navalha. Mães. Mais uma chacina. Mais corpos empilhados e entrelaçados como gatos de energia nos postes da favela.
A cor da pele é preta. Punição. Mais um policial morto no combate ao crime. Mais um caveirão subindo o morro em busca de vingança. Estado. Não há justiça. Justiçamento. O pulsar da comunidade, a alegria dos bailes, a potência da favela. Pausa.
Mães solos arrastam-se pelo mangue. Não em busca do caranguejo. O buraco é raso, a lama é vermelha, o corpo é preto. Pele preta em contraste com o carmim do sangue coalhado nas costas, na nuca, no peito, no coração dilacerado dessas mães ao mesmo tempo vivas, ao mesmo tempo mortas.
É madrugada. Carrinhos de mão tropeçam pelo mangue. Cargas mórbidas. É hora de recontar os mortos. As cápsulas são muitas. Centenas. As mortes também. Dezenas. Mas faltam corpos nos números oficiais. Tem muito mais corpos sumidos! Denúncia.
Amanheceu. Tiraram os corpos do mangue, tiraram os corpos da lama. Da lama da polícia, da lama da política, da lama do sistema.
O mangue está tranquilo novamente. Até a próxima.