O fim do papel

Era um dia qualquer, tipo terça-feira à tarde, mas percebi que tinha alguma coisa de diferente no ar. Não era fuligem dos escapamentos nem fumaça das queimadas nos terrenos baldios e na beira das estradas. Não era cheiro ruim do esgoto que corre sob nossos pés nas ruas das cidades. Não era uma sensação olfativa, era um sentimento de apreensão, de inquietação, sei lá.

Para não me esquecer do assunto, resolvi escrever sobre o que me afligia. Quem sabe assim, ao colocar no papel, eu não sossegava. Eita, cadê o papel? Procurei feito doido uma reles folhinha de papel, um bloquinho abandonado, esquecido num canto, e nada. Não achei. Bateu um desespero, um pressentimento danado de que alguma coisa desagradável iria acontecer.

Abri gavetas, fiz uma varredura nos armarinhos do corredor, no guarda-roupa, nos armários das panelas na cozinha e cheguei às prateleiras de produtos de limpeza da área de serviço. Nada, nem um mísero pedaço de papel. Corri ao banheiro, não sei a razão, foi uma reação instantânea. Não era vontade de me aliviar, foi para constatar o óbvio, o papel higiênico também desaparecera.

Parei, respirei, contei até dez e fiz uma retrospectiva das minhas ações desde ontem à noite. Sabe quando você perde as chaves ou quando não sabe onde colocou os óculos? Dizem que a melhor atitude é refazer mentalmente seus passos. Quando foi a última vez que usei papel? De qualquer tipo. Qual foi meu último contato com papel?

Estava nesse exercício de recapitular o passado quando dei um pulo e olhei angustiado para a estante de livros. Nenhum exemplar, prateleiras vazias. Desapareceram os volumes que eu tinha juntado ao longo dos anos. Uma tragédia!

Tentei calcular o tamanho da lesão emocional que se abria naquele instante na minha vida. Revirei o mundo em busca de vestígios de papel, de algo que lembrasse papel. Procurei clipes, grampeadores, canetas, lápis, blocos de anotação, até documentos na gaveta da escrivaninha. Nada. Bem, há muito que documentos existem somente nos aplicativos para celulares. Menos mal. Continuei: sacolas de papel, guardanapos, papel para embrulhar presentes, cola, jornais, filtros de café, caixas de papelão, caixas de sapato etc. Foi uma busca incessante, incansável e inútil.

Foi dolorido perceber que as fotografias tinham sumido, as do tempo antigo, pois as recentes estavam na memória do celular. Mas quem liga para as milhares de fotos no celular? A gente gosta e se emociona é com os antigos álbuns de criança, as fotos em preto e branco, as fotos dos parentes que já se foram.

O mundo estava se transformando e percebi isso tarde demais. Enfim, nem tudo caminha como prevemos ou como gostaríamos. Peguei o celular e mandei uma mensagem para avisar meus amigos, com quem tinha combinado de ir à festa junina, que desisti. Que graça tem festa junina sem bandeirinhas?