Na Janela
ENQUANTO rascunho minha arenga para depois o neto digitar na sua maquininha, de vez em quando faço um breque para ver da janela a chuva caindo. Chove incessantemente, o que me faz lembrar as chuvas do passado no sertão. Era uma festa, as daqui um perigo. Divago também sobre a vida. A vida é as dores do mundo. Lembro Malraux: “Há mais dores no mundo do que estrelas no céu”. Uma verdade abissal.
Penso triste nessas dores. Na for da doméstica que é assediada e resistindo é estuprada por um filho de ricaço. Na mãe pobre que não tem com que alimentar os filhos e aí desespera. No desempregado que fica com vergonha de chegar em casa com as mãos abanando. Das dores do povo dos morros que rezam para que a chuva não leve de roldão as suas casas. Na decepção do povo que acreditou nas promessas dos políticos. Nas crianças abandonadas que vão trilhar o caminho da perdição. Nas dores que a desigualdade promove. Nas dores, enfim, dos humilhados e ofendidos.
Volto ao rascunho mas antes sussurro triste: - E assim caminha a humanidade. William Porto. Inté.