Tarde demais

Era uma terça feira.

Um péssimo dia pra beber. Se é que isso existe.

Num momento de silêncio, uma das vozes na minha cabeça falou.

- Preciso te dizer uma coisa.

Eu ignorei. Mas a voz persistiu.

- Ela não está nem aí pra você.

Não estava chovendo, mas o céu mantinha a ameaça sobre a minha cabeça. Meu telefone tocou, mas eu seguia ignorando as mensagens. Larguei o aparelho em cima da mesa vazia com a tela pra baixo.

Dois podiam jogar aquele jogo. Mas eu não tinha lá muita sorte com coisas desse tipo.

Eu podia ser um pouco menos eu. Me entregar um pouco menos...

Mas enfim, certas coisas nunca mudam.

Fiz um sinal pedindo outra cerveja e Luiza me entregou mais uma garrafa.

Bebi como quem não procura respostas no fundo do copo.

Mas ainda assim elas estavam lá, me encarando.

junto com as vozes.

E era aquele velho clichê.

O problema estava do outro lado da rua, sorrindo pra terceiros.

Ignorando o meu coração entregue às baratas.

Talvez eu fosse só mais um prego,

só mais um

naquela fila.

Torto demais pra ir mais fundo. Enfiado demais pra arrancar.

Deixei pra trás todas as minhas confrontações. A vontade de esfregar a verdade na cara. Na minha própria, na frente do espelho...

Mas enfim. Banal o meu desejo. Como marcas de pontas de cigarro nos cantos da mesa. Como o trinco na ponta do copo. Como uma garrafa meio cheia, que alguém deixou pra trás.

Mas eu seguia pensando nas nossas línguas que nunca se conversaram além da superfície.

E como as contas de um terço, eu seguia debulhando pensamentos que invariavelmente me levavam pra ela.

Obsessivo? Talvez. Como todos os poeta em fim de carreira.

- Vamos mais uma? – Perguntou uma das vozes.

- Não estou contando. – Respondi pra mim mesmo.

E esvaziei o copo num gole só.

Me levantei e fui até o banheiro.

Dessa vez havia luz quando apertei o interruptor.

Quando retornei, ela tinha ido embora.

Deus é o senhor de todas as coisas. - Pensei.

Andei até o balcão e Luiza estava lá, com um sorriso no rosto.

- Quer outra, amigo? – Ela perguntou.

Balancei a cabeça afirmativamente e ela tirou uma garrafa do freezer.

Quarta feira é sempre um péssimo dia para acordar de ressaca.

Mas já era tarde demais pra começar a me preocupar com o dia de amanhã.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 29/06/2023
Reeditado em 29/06/2023
Código do texto: T7824905
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.