BUNDA GRANDE (crônica)

Nem bem a noite atingiu o seu enegrecer de piche, elas chegavam e, se elas chegavam, cada um sabia a sua função e corria a executar. O primeiro passo era mergulhar casa adentro em busca da vasilha própria, guardada somente para a ocasião, cada qual com o seu formato. Vamos à luta?

Eu ia... Geraldinho e Israel, também... Os irmãos Zé Marcos, Adelina, Augustinho e o Fernando, o mais velho, que sempre se recusava a crescer, compareciam... Somava-se, vez ou outra, o Salvador, o Joel e a Tereza, e garantindo a Maria; idem... Zuleica não ficava atrás com a Sueli, mas cuidando da Mirian com desnecessária e tola preocupação, pois a danadinha era a mais ligeira de todos.

Elas iam chegando à cântaros... Com as suas bundas grandes... Quanto maiores eram as bundas mais caçadas, mais perseguidas. O tempo era inimigo, tínhamos que ser rápidos.

As preciosas, revoando em volta do prato de luz no poste, com as lâmpadas brigavam e perdiam, obrigando a voos rasantes. E pronto: as criançadas brasilis as esperavam e em cada vasilha guardavam. Muitas... Até a boca... Provocando um zumbido só. A elas, as revoadas de acasalamento terminavam sem lua de mel. Bastava, apenas, bater na casa da dona Alzira e o fruto da batalha entregar... Entregar e aguardar...

A dona Alzira, pegava todo aquele mundaréu de Içás bundudas, as aladas fêmeas saúvas e, como a profissional química mais sábia sem faculdade da rua, em suas mãos as avantajadas nádegas seriam transformadas em iguaria sem par: parecendo amendoim, não! mais delicioso que amendoim.

Enquanto não ficasse pronto, era hora de roda, esconde e tanto escondes, amarelinha, zumbir e rosnar pião, rolar gude, estourar joelhos nos doloridos paralelepípedos, além de ensacar os dedos dos pés descalços (as Alpargatas eram reservadas para as escolas). Os dedos não doíam e, também, não faltavam dedos para machucar, afinal, Deus nos deu vinte para machucar à vontade, à abundância. A alegria da rua, por sinal, era sempre abundante.

No silêncio entre as algazarras... expectativas entre gulodices... a dona Alzira aparecia na calçada com a vasilha repleta de amendoim-bunda-içá em quantidade. Trazia sua cadeira, seu pito velho, suas reminiscências preciosas com o seu velho Jorge Carteiro.

Ela, entre baforadas de ardido cheiro de fumo, com seus risos gostosos como os doces Sonhos, mas, mais doce que doce de batata-doce, ia nos contando suas histórias, mentiras historiadas e pequenas interrupções de “abriotes” aos filhos Jorginho, Joel, Tereza, como ao Marquês Jair no seu impecável terno risca de giz e o seu inseparável guarda-chuva: “abriotes” aos seus filhos que saiam para a noite, para fazerem-na eternamente menina.

“Abriotes” ... Nunca descobri o que para eles significavam o alerta da mãe. Talvez; abra o olho moleque; veja onde pisa; juízo; cuidem-se crianças; cuidem-se meus filhos. Não sei realmente, mas levei comigo e para com os meus filhos usei igualzinho como advertência, para tudo.

Outro dia, sentado com o meu filho sob as estrelas num final de dia preguiçoso, naquele momento para meditação com aos nossos olhares à bela Lua, eu fui despertado pelo grito dele ao filho; ao sapeca neto:

— Abriotes! Henrique. Vai cair daí; menino!

Pronto... Eu sorri de lembranças e marejei os olhos de saudades. Então, do meu coração, brotou um aviso para moleques e molecas da minha antiga rua:

“Ah! se a rua Brasília fosse minha e só minha eu mandava enfeitá-la com os rostos de todos da minha infância, e apresentá-los aos nove netinhos para os ensinarem como é realmente brincar.”.

Arabutã Campos
Enviado por Arabutã Campos em 28/06/2023
Reeditado em 28/06/2023
Código do texto: T7824331
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