MALDITO CHUCRUTE (crônica)
A palavra “maldito” enfeia descrições e títulos, sendo desprezível quando usada; sim! Mas, nessa minha história é graciosa. A história fala de alguém especial...
Ele chegou às paragens tupiniquins das germânicas, da Alemanha pós-guerra. Chegou, gostou e na terra do pau-brasil ficou. Fez uma família e, por circunstâncias, precisou logo mais criar outra. Veio à Jundiaí, sorriu para a prima. Não apenas sorriu como a pediu em casamento. Ela aceitou e, por causa disso, foi batizado na nossa família como primo. Deu-nos tamanha honra.
Certa vez, o primo Heinrich levou-me ao clube num piquenique com os seus patrícios. Na verdade — sem nenhuma vergonha de contar — nunca vi tanta comida em uma única mesa e ao redor dela. Culinária alemã, sempre deliciosa.
No terceiro pratinho eu recebi com salsichão, molhos diversos, maionese, repolho e saladas. Fiquei extasiado. Quando preste a iniciar o sacrifício admirável de degustar tamanha provocação, uma senhora alemã disse ao marido e ao filho que ia servir-lhes o chucrute...
Eu entendi claramente: Chu-cru-te. Ó! soando como uma bela música. Pronto! Como eu devoro com a visão, com o olfato e com a audição, deixando à boca a simples tarefa de mastigar, aguardei ansiosamente pela iguaria tanto quanto o sortudo marido e filho.
Nada... A danada ameaçava, mas agarrava-se na conversa com as mulheres. Permaneci olhando, tateando e cheirando pelo que seria o tal chucrute.
Outra vez ela se levantou deixando-me de prontidão como sentinela num quartel: atento e esperto a qualquer movimento. Mas, ela permaneceu entretida nas brincadeiras. Como demorasse, fiquei estratego ativo para não se perder tempo:
— O repolho eu já tenho, comendo-o ficarei com a pança cheia e aí não vai dar para o tal chucrute. — “Ó! Chu-cru-te, quero-te tanto”!
Então, disfarçadamente, tirei do meu lanche o repolho que achei azedo demais, comi o restante e pacientemente esperei pela atitude da senhora, pensando:
“Quando ela servi-los eu abocanharei a minha parte...”
E nada! Ela colocava iguarias no seu pão e nos pães dos amigos que pediam... A paciência eu tenho, mas se tratando de comer...
Acabando-me o limite da paciência só nos resta a impaciência e o tal chucrute. Demonstrava pelo olhar e não com falta de educação. Somente o primo percebeu que eu queria algo e com a sua peculiar calma, chegou por perto me falando baixinho:
— Salvinho, se quiser alguma coisa pode pedir que eu lhe sirvo.
Mais que depressa balbuciei com a boca cheia d’água:
— Chu-cru-te! Disse-lhe em dó, ré, mi e acho que também em fá. O sol e o lá ficaram abafados pela água na boca.
Imediatamente, mencionando o nome da amiga que tinha feito a suposta iguaria que mexia com a minha inquieta lombriga, solicitou-lhe:
— Coloque chucrute no prato do meu primo, por favor!
— Claro que sim! — respondeu-lhe sorrindo.
Eu também, sorri! Finalmente ela atenderia as minhas expectativas? Até a minha lombriga bateu palmas.
Eita! azeda lembrança:
— Ela, ainda faladeira e inquieta de tanto conversar com os amigos, colocou outra vez e muito o maldito repolho azedo no meu prato.
Ó! Maldito chu-cru-te. Com nome tão comível, por que se faz de repolho e, além de tudo, azedo?
Bom!
Uma história nem sempre tem o seu final. Ela se altera com o passar dos anos, pois...
Descobri duas coisas com o sr. Tempo: que ele leva cedo demais para junto de Deus quem se chama Heinrich e que, o Tempo, gosta de chucrute e ensinou-me a gostar, também.