Diário de um chacareiro - parte 3
Da loba aos cães. O chacareiro deixou a Capitolina pra trás, se embrenhou pelas vias sem número ou letra ou nome conhecidos, referida apenas por “aquela primeira que desce naquela que entra à direita para o DETRAN , depois de passar o palácio do Buriti” — e em menos de 10 minutos estava na CLN 304, em frente à farmácia veterinária para buscar um medicamento manipulado para a Lilica, a cadelinha meio fox paulistinha, tecnicamente “SRD”.
Se o interlocutor não visualizar o itinerário, às vezes se complementa, informando que é aquela que desce e vai dar na que vem do autódromo e acaba no Eixão Monumental. Ela é mão dupla. “Você vira para a esquerda, pega ali por trás do autódromo, passa por trás das tribunas na reta principal, já sai na W4, naquele semáforo do Ceub. Você desce direto, cruza a W3, passa pelo McDonald’s da 307 Norte e vai pela W1, entre as cento e as duzentos até a 304”. Algo assim o chacareiro explicaria. Para um interlocutor Brasiliense, obviamente.
Não parou exatamente na frente da Fórmula Animal, mas numa tal “Usados em moda”. Um estabelecimento comercial como tantos outros, não fosse o despertar de um sentimento indefinido de afinidade. Por que “em moda” em vez de “na moda”, Quase audível, essa questão ocupou o chacareiro alguns instantes. Prova de quão incorpóreo, etéreo e onírico o chacareiro às vezes fica nesses retornos à cidade. Apesar disso, ele se manteve na rota e pegou na farmácia o medicamento. E continuou seu périplo urbano, cruzou a cidade, da 304 desceu até a L2, passou da asa norte para a Sul ao lado da Catedral, subiu pelo Setor de Autarquias, ao lado do prédio da Receita Federal, pegou o Eixinho de baixo e foi até a 208, seu pouso seguro.
Para quem acredita em telepatia, eis um prato cheio: ao entrar em casa, depois dos costumeiros afagos do reencontro, sua filha o levou ao closet e o confrontou com o excesso de roupas sem uso, desperdício descabido segundo ela, nessas épocas em que reciclar e reutilizar está na moda. Vou dar um jeito nisso, filha. Vou vender para uma loja que eu conheci hoje. Mas o chacareiro se ocupou com outras coisas, até que sua companheira telefonou, avisando o término da palestra. Ele voltou para a Assembleia Legislativa, pegou a professora e de lá para a chácara. Nunca mais lembrou da “Usados em moda” e só de vez em quando usa uma das camisas do seu armário.