O Titan e o Titanic: soberba, ganância e curiosidade mórbida
“Cada um, porém, é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por esse iludido e arrastado”, diz o capítulo 1, versículo 14, da Epístola de Tiago, na tradução King James Atualizada, KJA, da Bíblia Sagrada. “De gustibus et coloribus non est disputandum”, diziam os escolásticos. “Gostos e cores não se discutem”, como traduzia Napoleão Mendes de Almeida, o maior latinista brasileiro de que já ouvi falar. Abrindo e fechando parêntesis, registro que tive a honra de ser aluno dele de português, embora por muito pouco tempo.
Titanic e Titan, separados pelo tempo, mas ligados pela fatalidade. Tragados trágica e tristemente pelo Atlântico. Um deles, o primeiro, há mais de cem anos; o outro, há cerca de três semanas. A história do Titanic é fascinante para muitos. Há gosto para tudo, pois para mim é horripilante. É incrível. O navio Titanic, há mais de um século, submergiu para sempre nas águas do oceano, mas continua a fazer vítimas. Culpa da curiosidade mórbida de muitos e da ganância ou da soberba de tantos outros. Que o diga o fatídico fim do submersível Titan. Morreram todas as pessoas da expedição macabra! A curiosidade doentia, a ganância e a soberba do ser humano não têm limites.
Leio sobre o Titanic e, embora na terra firme, sinto desconforto. Lembra-me a zona abissal dos oceanos, com sua aterrorizante profundidade de 2.000 a 6.000 metros, escura, gelada e cheia de monstros. Causa medo, aqui do seco, só de pensar. Talassofobia? Não, não é. É o medo racional mesmo, o qual muitos não experimentam. Não se confundem, evidentemente, o medo racional e a fobia. Nado bem, por exemplo, mas tenho medo de águas profundas. Por quê? Elementar. Ora, por causa do que elas abrigam e ocultam.
Há gosto para tudo e as pessoas são diferentes entre si. Existem os que se pelam de medo só de pensar, como também existem os que gostam de mergulhar até os lugares mais profundos do oceano. Alguns o fazem tão somente pela curiosidade e pelo gosto das aventuras: quanto maiores o perigo e o desafio, maior a atração mórbida. Outros são arrastados por pura ganância, na cata dos tesouros submersos. Outros, ainda, pela soberba da riqueza. “Vote! Esconjuro!”, como diria meu ancestral nordestino.
O acidente com o Titan me trouxe de volta muitas reflexões e questionamentos, principalmente, sobre a curiosidade teratológica de muitas pessoas. Por que e para que ir passear na zona abissal dos oceanos, se existe tanta beleza inexplorada aqui no seco? Que me desculpem os que pensam diferentemente, mas para mim isso é mórbido, é doentio. E que dizer dos que se arriscam pela ganância, à busca das riquezas de quem tão tristemente perdeu a vida? E dos soberbos, que se dão a tais extravagâncias só para ostentar riqueza, mas ignoram cruelmente os famintos e necessitados ao seu derredor?