ENCONTRO LITERÁRIO E ATEMPORAL
Naqueles tempos de pandemia do Corona Vírus, em que não estávamos podendo conviver com os nossos amigos contemporâneos, recorri a uns amigos de outras eras para manter o saudável hábito da conversa diversificada, elevada e divertida.
O primeiro que aqui em casa chegou foi o nosso maior escritor, o mestre do realismo, Machado de Assis. Após os cumprimentos com as reverências de sua época, sentamos para iniciarmos o nosso colóquio preliminar, mas eu não resisti à curiosidade por muito tempo encubada, e fui logo perguntando: _ Afinal de contas, Capitu capitulou? Ela traiu Bentinho? _ Ora, meu amigo, assim você me deixa casmurro e encabulado. Respondeu ele, vesgamente dissimulado, como a sua musa Capitu. Quando eu ia mudar de assunto, a campainha tocou. Era José de Alencar que chegava, já que também fora convidado para o encontro informal de amigos. Nos cumprimentamos, e ele, ao Joaquim Maria também, seu amigo de longa data. Para demonstrar o meu interesse pelas suas obras, perguntei ao ilustre intelectual do romantismo como estava o seu pessoal: a Senhora, O Guarani, Iracema, Lucíola, Ubirajara, e outros. Aí então ele respondeu de uma forma erudita que aqui eu não saberia reproduzir. E foram chegando mais convidados: Joaquim Manuel de Macedo, Lima Barreto, Aluísio Azevedo, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Mario Quintana, Jorge Amado, Ariano Suassuna e Millôr Fernandes.
E vocês acreditam que tem um conterrâneo meu dentre eles? Joaquim Manuel de Macedo nasceu em Itaboraí-RJ, em 1820. Mas ele foi achar a Moreninha em Paquetá, uma ilha localizada na Baía de Guanabara.
Na medida do possível, eu dava atenção a um e a outro. Perguntei ao modernista Lima Barreto que fim levou Policarpo Quaresma. Ao que ele me respondeu: _ Ah, aquele nacionalista inveterado! Teve o fim que todo ingênuo tem. Euclides da Cunha muito me assustou com os relatos da Guerra dos Canudos, mas uma outra saga sertaneja, essa de guerra, mas também de amor, me contou o João, o Guimarães Rosa: a paixão reprimida de Riobaldo por Reinaldo/Diadorim.
E você, Aluísio, onde está morando? _ Eu não moro em um Cortiço, posso te assegurar. Enquanto isso, Millôr Fernandes, com o seu ceticismo e incredulidade inabaláveis, questionava Ariano Suassuna sobre o porquê do juízo final no Auto da Compadecida. Ele respondeu: _ Sei explicar não... só sei que foi assim!
A Jorge Amado perguntei como lhe era possível caber tantos personagens em sua cabeça. Ao que ele me respondeu: _ Eles não estão em mim... eles estão por aí... eu apenas os observo e transporto para os meus romances. A Bahia é um cenário, e rica em personagens.
E o Mario, coitado, ficou do lado de fora da saleta do chá. Os que chegaram antes amontoaram-se muito próximo à porta e ele não conseguia entrar. Como anfitrião, julguei-me responsável pela situação e pela solução. Pedi que o pessoal se espalhasse mais ao longo do ambiente e falei: _ Entre, Sr. Quintana! E ele, de pronto declamou: _ Todos esses que aí estão, atravancando o meu caminho, eles passarão... eu passarinho!
FIM
Em tempo: No dia seguinte, Carlos Drummond de Andrade me justificou a ausência: não conseguiu chegar porque tinha uma pedra no meio do caminho.