Crônicas Médicas - O colecionador de experiências
Ao entrar no internato, podemos experimentar duas sensações: primeiramente, a alegria por vislumbrar o fim da faculdade se aproximando; e, em segundo lugar, o desespero por vislumbrar o fim da faculdade se aproximando. Ao mesmo tempo em que estamos felizes por essa etapa estar chegando perto do fim, podemos nos sentir completamente despreparados para atuar como médicos de verdade, e, frente a essa situação, temos ao menos duas possibilidades: surtar ou buscar evoluir. No geral, primeiramente surtamos e depois corremos atrás do prejuízo a fim de crescer.
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Bem, eu tenho tentado não surtar. Passei todo o ciclo básico e clínico com a saúde mental intacta... ou quase isso. Não posso (ou não quero) me deixar abalar agora. O destino, no entanto, não contribuiu muito com essa ideia. Logo de cara, iniciei meus rodízios onde menos gostaria: ginecologia e obstetrícia. Nunca fui um entusiasta da especialidade. Desde antes de entrar na faculdade, eu sabia que não me tornaria GO e os módulos sobre esse tema confirmaram minha vontade. Assim, nunca me aprofundei muito nos assuntos acerca da área. Hoje, talvez, eu me arrependa um pouco. Mas não posso mudar o passado.
Comecei o rodízio no final de maio. Tentei estudar alguns tópicos antes de começar de fato, mas não tive muito progresso. Acho que eu necessitava de pelo menos nove meses para me sentir minimamente pronto para enfrentar a realidade da GO. Mas, como as férias pré-internato não eram uma gestação, precisei aprender na marra e nas experiências do dia-a-dia.
Nas primeiras semanas, não me sentia muito confiante, mas não surtei. Assumi que não sabia andar com minhas próprias pernas e precisava aprender a engatinhar antes de dar meus primeiros passos sozinho. Estudava em casa e tirava as dúvidas na prática, junto aos residentes e preceptores. Errei e acertei, não sei dizer qual deles com mais frequência. Tomei algumas broncas (algumas desproporcionais, mas faz parte) e recebi outros tantos elogios, mas não me deixei levar por nenhum dos dois lados. Mantive-me centrado e consciente dos meus limites, talvez até autocrítico demais.
Os dias passaram, as semanas me jogaram de um lado para o outro dentro do sistema, passei pela urgência e emergência, por salas de parto, pelo pós-operatório e pela enfermaria. Muitos profissionais cruzaram meu caminho, cada qual trazendo ensinamentos diferentes. Alguns me mostravam um possível caminho para seguir, enquanto outros me mostravam claramente o que não fazer depois de formado. Assim, como um bebê, que aprende pela imitação, copiei os bons exemplos e, mesmo tentando ser o mais seletivo possível, provavelmente absorvi alguns hábitos não tão benéficos assim e que preciso deixar para trás.
Enfim, aprendi muito e passei a admirar quem merece admiração. Construí laços interessantes com diferentes pessoas, tanto com pacientes e acompanhantes quanto com colegas de setor. Não sei se posso dizer que consolidei amizades, afinal o tempo é curto e a rotatividade é grande, mas definitivamente guardei carinho e apreço por alguns.
Também não posso dizer que aprendi muito sobre ginecologia e obstetrícia nesse curto período, mas consigo afirmar que, hoje, sei muito mais do que sabia um mês atrás. Longe de ser um expert, também não posso ser considerado um leigo no assunto; estou em um meio termo satisfatório para quem nunca foi um grande fã desse tópico. Fato é que esse rodízio chancelou minha prévia decisão de não fazer GO, ao mesmo tempo em que me trouxe um certo nível de conhecimento.
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Enfim, nesse relato, não quis me ater a nenhuma passagem ou caso específico. Foram muitas situações interessantes para retratar aqui e não consigo escolher uma ou duas para listar como exemplos. Preferi, assim, contar a experiência de quem entrou com medo e cheio de inseguranças, cru de conhecimento, e saiu contente com a própria evolução, sem ter surtado nem uma vez sequer (pelo menos até agora) e carregado de uma bagagem, ainda que pequena, em franco crescimento.
Esse foi apenas o primeiro de um bom tanto de rodízios no internato. Sei que ainda tenho um longo caminho pela frente e muito chão para pisar, mas os primeiros passos foram dados com sucesso. Estou apenas embalando nessa jornada final da faculdade, preparando-me para entrar da melhor forma possível na real vida de um médico e colecionando experiências relevantes para quando essa hora chegar. Espero estar pronto.