Um necessitado dos diálogos alheios (sobre o ofício do escritor)
Primeiro tive de me acostumar a não mais escrever em meus cadernos, havia centenas deles preenchidos, de capa a capa, donde certamente extrairia algum texto que tenha serventia e até um certo estilo próprio entre o nonsense e a filosofia moderna.
Ou mesmo, nulidades curiosas, ou talvez (para fechar) fotografias de alguns momentos insignificantes do planeta Terra. Sendo que no lugar da Polaroid tenho o lápis Faber-Castell para escrever e a folha escrita é a fotografia em si.
E com o tempo percebi que a tudo se acostuma debaixo do sol, como diz no Eclesiastes, que bastava eu abrir a porra do notebook (para quê dizer palavrão menino?) e digitar uma ou outra garatuja digital e pronto, tinha ali um textinho. Era curioso, porque absolutamente tudo podia ser captado por mim e descrito em palavras, ou ao menos eu me esforçava para assim o fazer, era um pedinte, um necessitado dos diálogos alheios. Penosamente anotava a tudo o que se diziam por aí, o motorista do Uber, na fila do supermercado, nas lives aleatórias e onde mais tivesse gente falando, era muita bobagem dita, mas eu aproveitava cada expressão para criar. Era um parasita dos diálogos das pessoas. Meus ouvidos eram como agentes parasitários de qualquer sussurro, mas, nessas horas o que servia mesmo era a cadernetinha para anotar, pois é difícil ter agilidade digitando no celular frases desconexas, inaudíveis, faladas entredentes, e com a limitação natural de minha audição. Fazia abreviações às quais não me lembrava depois do que se tratavam, intuía, sempre dava certo, o importante era dar algum sentido ao que se anotava.