SOBRE O DIABETES MELLITUS (II): UM CASO QUE GUARDO COMIGO

Minha colaboração ao DIA NACIONAL DO DIABETES MELLITUS II

Narrando para conscientizar.

Há tempos que eu pensava em contar publicamente algo que certa vez presenciei na minha trajetória profissional.

Algo do qual, conforme meu título e embora fato distante, eu nunca me esqueci; oportunidade em que pude aprender mais, ao constatar "in vivo", o TUDO que consta sobre as consequências da doença não tratada, nos grossos compêndios de Patologia e Clínica Médica.

E hoje, ao ouvir que a data é dedicada à conscientização NACIONAL da doença DIABETES MELLITUS (a qual estudo muito) resolvi contar meu "case", doença que, ainda que seja tão comum e em crescente, longe está de ser menos grave na sua apresentação clínica tão polimórfica.

Decidi aqui escrever sobre o que vi, com o ÚNICO INTUITO DE ALERTA EM SAÚDE PÚBLICA, ou seja, do importante papel da conscientização da população em geral sobre seus estragos, o que muito ajuda (ou deveria ajudar) na sensibilização quanto aos cuidados na PREVENÇÃO E/OU TRAMENTO dessa doença metabólica SISTÊMICA, insidiosa, progressiva e venenosa.

Não se trata apenas dum problema na produção ou de aproveitamento de insulina produzida pelo Pâncreas.

A doença ENFERRUJA O ORGANISMO COMO UM TODO, e se não totalmente evitável ao menos pode ser muito postergável no que tange ao sofrimento humano por ela sentenciado.

Assim ratifico que o personagem dessa minha crônica me foi o cliente mais efêmero e mais mais "professor" que tive a oportunidade de atender na minha vida, posto que o que me ensinou foi algo literalmente de âmbito VISCERAL.

Lembro-me que lhe foi marcada uma consulta e que a pessoa me chegou ao atendimento, pela primeira vez, levada por uma filha.

Logo na entrada percebi seu estado grave: parou na porta a tentar me enxergar, muito ofegante; trazia como apoio uma bengala que sustentava seu corpo caquético , ou seja, extremamente consumido, desnutrido, duma palidez assustadora, onde se via a proeminência dum abdome muito volumoso, que imediatamente remetia à presença de ASCITE( ÁGUA na barriga).

Pernas totalmente inchadas onde se via pequenas veias estufadas e azuladas,

Não se comunicava muito bem , numa evidente queda de cognição.

Rosto triste, dum sofrimento explícito.

A pessoa deu dois passos e logo se sentou exaurida.

Antes de começar a consulta, a primeira sensação que tive foi a de que poderia ser um CÂNCER METASTÁTICO PARA O ABDOME, dado o seu extenso volume e o grave estado de desnutrição.

Queixa da família: "muita confusão mental, fala desconexa"

Comecei com as perguntas de praxe, sobre doenças pregressas... cuja informação mais preciosa, através da filha, não demorou a me chegar: "há 25 anos deram o diagnóstico de DIABETES, mas nós não aceitamos , não acreditamos; imagina, e nesse tempo nunca houve problema algum, o médico estava errado".

Conclusão: O diagnóstico já estava dado...lá atrás...há duas décadas e meia...

E eu estava ali, BOQUIABERTA, diante dum DIABETES INSIDIOSO, PAVOROSO E SEM TRATAMENTO, evoluindo no tempo, diabetes super VORAZ, livre e solto "in vivo", a corroer a vida, a me (e a NOS!) contar ao vivo absolutamente tudo (e muito mais!) duma doença deixada à sua própria sorte.

E que também me ensinava da dificuldade que existe em se tentar ajudar...principalmente num mundo como o de hoje, onde tantas "fakes" de Saúde e tantos "profissionais milagreiros" desnorteiam as redes e a internet...com falsas novidades em tudo.

Indiquei internação imediata para investigação que, mais uma vez, não foi aceita pela família.

"internar nem pensar!"

Expliquei da gravidade e das possibilidades diagnósticas e pedi os exames complementares NECESSÁRIOS: poucos, focados e assertivos, como sempre deve ser.

Horas depois o laboratório entrou em contato comigo.

Estavam todos assustados com os resultados bioquímicos e de imagens.

Inclusive eu, embora já soubesse da gravidade do caso.

Os exames principais mostravam FALÊNCIA RENAL, CARDÍACA e PULMONAR com todos os comemorativos clínicos, sistêmicos e graves do quadro apresentado.

A vida ainda estava ali , resfolegando, com certeza por verdadeiro milagre.

Retornado imediatamente o caso aos meus cuidados, enfim, a família concordou com a internação, feita na UTI.

Foi o único e último socorro para aquele DIABETES II. Não houve como reverter o caso, infelizmente.

A doença vencia a Ciência e os MITOS. Foi a aula mais triste que presenciei na minha profissão.

O exercício da Medicina, sem dúvida, é uma troca constante de aprendizados, nem sempre felizes.

Nota de esclarecimento: duma maneira bem simples, a Diabetes Mellito ( Tradução: passagem de doce para a urina!) é uma doença plurimetabólica, multifatorial, comórbida, incurável, insidiosa, progressiva ,PANDÊMICA, embora evitável e controlável, na qual existe uma dificuldade de produção e ou utilização da Insulina , um hormônio produzido no Pâncreas.

A obesidade está fortemente intrincada na sua gênese e decorrências, assim, evitando-se o ganho excessivo de massa corpórea gorda, com dieta equilibrada e exercícios físicos planejados, poderemos evitar e/ou postergar o seu aparecimento.

E o mais importante : evitando SOFRIMENTO E DEPENDÊNCIA...DO OUTRO. Os cuidados paliativos com pacientes cronicamente debilitados é algo muito penoso no nosso país.

O excesso de açúcar no sangue, o que costumo explicar e denominar figurativamente de "sangue docinho" , funciona como um "envenenamento crônico, silencioso e voraz" de todas as grandes e pequenas artérias do organismo (endotélio), o que leva à morte celular acelerada por "oxidação" em diversos órgãos; as mais afetadas são as artérias da RETINA (Cegueira ), as dos RINS (Insuficiência Renal), as do CORAÇÃO (anginas, infartos e insuficiência cardíaca), as do CÉREBRO (AVCs, principalmente isquêmicos , transitórios ou não; e DOENÇA CÉREBROVASCULAR com manifestações demenciais -muitas das quais com situações psiquiátricas inadministráveis!- as artérias dos ORGÃOS GENITAIS (impotência sexual), as DOS INTESTINOS (infartos intestinais), as dos MEMBROS INFERIORES (Insuficiência arterial periférica (dor intensa na caminhada), pés diabéticos, úlceras neuropáticas por perda da sensibilidade das plantas dos pés e, por vezes, necessidade de amputações) ; disautonomias várias, porque o açucareiro no sangue corrente machuca os micro-vasos dos micro- nervos responsáveis pela manutenção dos nossos sinais vitais como: frequência cardíaca, tônus vascular e manutenção da pressão arterial sistêmica. Não é pouco...convenhamos.

O assunto é sério e, sinceramente, espero ter esclarecido a quem me lê o que o personagem da minha crônica tão tristemente nos confirmou. DIABETES II PODE SER PIOR QUE CANCER.

A finalidade não é, absolutamente, assustar e sim conscientizar.

A prevenção do DIABETES MELITO II está nas nossas mãos.

Essa é a melhor notícia diante dum cenário epidemiológico tão triste.