O relógio marca

– O relógio marca…

A fala me lembra, no momento, duas pessoas. Eu era um adolescente, e Maurício Delgado – hoje ele é médico, no Sul – subia o morro da Academia imitando o Waldir Amaral, que alegrava nossas tardes dominicais com suas narrações esportivas, cadenciadas, nas ondas do rádio, marcando o tempo com aquela frase tão ouvida naqueles dias. Maurício narrava o gol e convocava o Mário Vianna, e alguém de nós gritava do outro lado da rua:

– Gol legal!!! – Era uma festa no dia seguinte às atuações do Vasco, do Botafogo, do Flamengo, do Fluminense – que dominavam a torcida juiz-forana, tão vizinha do Maracanã.

O tempo foi passando e fui me acostumando com os narradores da tevê, muitos deles vindos do rádio. Acompanhei Luciano do Vale, Sílvio Luís, Luís Alfredo, Oliveira Andrade e tantos outros, e este que se tornou uma espécie de voz do Brasil – o Galvão Bueno, cuja figura é desnudada na minissérie ‘Olha o que ele fez’, recém-lançada na Globo Play.

A série me pareceu bastante sincera, honesta e procurou mostrar os dois lados da figura retratada – o locutor vibrante, que se emociona e sabe emocionar e o ser humano agitado, meio temperamental e de falas incautas, que lhe renderam desafetos. Muitos desafetos!

Acredito que assistir não seja perda de tempo. Afinal, é sempre aprendizagem ver como as pessoas ascendem na vida, pelo talento e esforço pessoal. É curioso como Galvão se apresenta bravo antes das transmissões, reclamando de detalhes, brigando (talvez o “brigando” fique entre aspas) e depois se apresenta radiante para comandar o espetáculo da emoção, seja ele uma partida de futebol, de outro esporte ou um campeonato de Fórmula-1. E nesse sentido, a minissérie nos faz visitar momentos grandiosos do esporte, não se furtando a repetir (o que é sempre melancólico) aquela que certamente foi a cena mais triste narrada por Galvão – o terrível acidente com o piloto Ayrton Senna.

A sensação que tenho – ou terei de ver de novo? – é que o narrador não se importa muito com as críticas, as quais, segundo ele, chateiam no momento, mas são esquecidas. E quando erra no campo em que domina, o das palavras, ele parece se perdoar, sem maiores traumas.

Zinho, campeão mundial em 94, recebeu em sua casa o narrador, que lhe pediu desculpas por críticas, – escusas que foram aceitas, embora o pai do atleta tenha morrido magoado com o narrador.

Corria a Copa de 1990, na Itália.Foi em 4 de junho. Maradona passa por Alemão, sai driblando mais gente e toca para Caniggia, que faz o gol, que elimina o Brasil daquela Copa. Galvão narrou o lance e deu uma de torcedor, no calor da torcida. Chamou alemão de cupincha de Maradona, pois os dois eram amigos no Napoli… Pensemos: o comentário era missão do comentarista.

Penso aqui naquele narrador da minha adolescência. Waldir Amaral – creio – narrou a Copa de 90 e teria saudado (ou saudou?) o gol de Caniggia com o seu famoso bordão ‘indivíduo competente’, sem nenhuma vibração, naturalmente. E nada mais…

Galvão exagerou… Cupincha é pejorativo – todos sabem. Alemão não perdoou e não quer ouvir pedidos de desculpas, mas não perdeu a oportunidade de deixar sua indignação no documentário sobre Galvão. Como fica Galvão? Feliz, tranquilo, rico, agitado e briguento, com os amigos da nova caminhada lá no Rio Grande do Sul. Com sucesso… Na internet ou voltando à tevê. O tempo dirá.

Agora que Galvão se aposentou, nós continuamos com Luís Roberto, Cléber Machado, Villani, Renata Silveira, Theo José e tantos outros, nessa trajetória efêmera do tempo, que o relógio marca… Que tenham sucesso, sejam grandes – e que transfiram mais responsabilidades para seus comentaristas, que têm sempre um tempo a mais de reflexão antes de falar!