Sextou, vinhe-se!
Sextou, vinhe-se! Sextar é chegar a sexta-feira. É também descansar e aproveitar descontraidamente a véspera do fim de semana. Sextar verbaliza, coloquialmente, a ideia de relaxar e deixar as obrigações para segunda-feira. É verbo intransitivo nas duas acepções. Vinhar-se, por sua vez, da mesma forma, à guisa de brincadeira saudável com a língua, quer dizer tomar o vinho preferido (não raramente, em boa companhia, conquanto também possa ser sozinho). Ambos, no caso, são exemplos de neologismo lexical e, a meu ver, não transgridem a língua.
Vinhar, sem o pronome, se empregado na mesma acepção de beber vinho, é neologismo semântico, considerado que, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, existe o substantivo vinhar, como sinônimo de vinhedo. Existe, além disso, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, o verbo vinhar, que não encontrei nos vários dicionários consultados. Nem mesmo no próprio dicionário da Academia, o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, do qual tenho a segunda edição, da Companhia Editora Nacional, de 2008.
Amo, desde que fui alfabetizado, a língua portuguesa. Não sem razão, embora graduado em Direito e também apaixonado por Filosofia, Contabilidade e Teologia, o que mais estudei até hoje, além do Direito, foi e continuará sendo a língua portuguesa. Gosto muito também de inglês, de latim e de grego. Ah, tenho paixão pela língua grega: grego clássico, grego coinê e, principalmente, o grego moderno. Amo o caráter vivo e dinâmico das línguas, desde que respeitada a formação científica e, acima de tudo, responsável de novas palavras ou novas acepções desta ou daquela palavra.
Com a língua grega aconteceu mais do que a criação de novas palavras ou de novas acepções. O grego moderno – digo para quem ainda não sabe, com o pedido de escusas a quem já sabe – é muito diferente do grego clássico e do grego coinê, este também chamado grego bíblico. Na pronúncia e na grafia. Platão e Aristóteles sentir-se-iam analfabetos nos dias de hoje diante de um falante do grego moderno. Analfabetos, não, é claro, mas se sentiriam estrangeiros e teriam que aprender, quase do zero, a lindíssima língua de Níkos Kazantzákis (Νίκος Καζαντζάκης, em grego moderno).
Níkos Kazantzákis, poeta, ensaísta, romancista, tradutor e dicionarista, é considerado o maior escritor do grego moderno. Ambos já falecidos, está para a Grécia como José Saramago está para Portugal. A biografia de Níkos Kazantzákis, dada a exuberância de sua erudição, é apaixonante para qualquer estudioso. Volto, porém, ao verbo sextar, que é, como sabemos, um neologismo lexical de invenção bem nossa, do coloquialismo brasileiro. E muito me alegra ver que assim está registrado no Priberam e no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, ambos de Portugal.
“Sextou!”, dizemos alegremente, anunciando a chegada do fim de semana e deixando no ar a expectativa das atividades lúdicas e do tão esperado descanso no sábado e no domingo. Muita vez, porém, sextou, mas a gente não pode sextar. Eita! Aí complica. E muito. Quando ainda na ativa do serviço público, isso me aconteceu muitas vezes. Trazia, não por querer, serviço para casa. Encerrando, por falar de expectativa, lembrei-me do epitáfio de Níkos Kazantzákis, que diz: “Espero por nada. Não temo nada. Estou livre.” Em grego moderno: Δεν ελπίζω τίποτα. Δεν φοβούμαι τίποτα. Είμαι ελεύθερος. Cético? Irônico? Ou as duas coisas?