SEM SISTEMA
Quinzenalmente verifico o estoque doméstico daqueles produtos de uso diário, faço a lista e vou ao supermercado na esquina da rua providenciar o reabastecimento daqueles que estão em vias de faltar.
Claro que na turnê pelos corredores, entre gôndolas, balcões frigoríficos e ilhas, como qualquer mortal, não fico indiferente àqueles produtos feitos para encantar e estrategicamente colocados à vista da freguesia.
Hoje, ao passar pelo balcão dos laticínios, lá estava em destaque o irresistível queijo Roquefort com aquele aspecto cremoso e o vigoroso cheiro úmido de chulé e sovaco ardido sem desodorante.
Peguei um bom pedaço para comer com o pão italiano fresquinho que esteve na ilha de pães especiais e que, como o queijo, não estava na programação das compras do dia.
Concluída a lista, a operadora do check-out avisou que só estava recebendo pagamento em espécie, porque estava sem o sistema com a rede bancária.
A alternativa para meu caso, pagamento com débito em conta, seria registrar a compra e sacar o valor na casa lotérica instalada no mesmo prédio do supermercado.
Numa avaliação rápida o montante ficaria acima dos trezentos reais, valor que uma lotérica de bairro pobre como o que eu moro jamais teria disponível antes das nove horas da manhã.
Argumentei se não haveria a possibilidade de o sistema gerar um boleto para eu pagar na lotérica.
Não, nem pensar.
O analista que criou o sistema para o supermercado, não se lembrou dessa possibilidade.
Deixei o carrinho carregado de compras com a supervisora da bateria de caixas e voltei para casa com a carriola vazia.
Na volta, sem as compras e analisando o quanto somos dependentes dos sistemas para tudo e qualquer coisa, lembrei daqueles sonhadores que vivem apregoando que devemos abandonar essa “sociedade de consumo” e ir viver no mato, construir casa de taipa com cobertura de sapê, beber água sem os aditivos de purificação, plantar o próprio alimento em hortas “orgânicas” que serão cozidos em fogões à lenha, sem telefone, luz elétrica ou geladeira, anestesias ou produtos derivados de animais.
Tudo muito romântico e alheios à realidade de que não é qualquer um que consegue viver retirado, sem os confortos e facilidades que a cidade oferece.
Plantar o próprio alimento demanda tempo que o urbano desconhece.
Produtos “orgânicos” quando encontrados nas feiras que levam esse nome, são chochos e de aspecto desagradável para nossos olhos acostumados com os produtos originados de cultivo controlado por pesticidas e adubo mineral que, apesar de serem tão orgânicos quanto os que levam esse apelido, são demonizados pelos “ecochatos”.
Nessas feiras, você não encontra o que quer comprar, mas o que eles têm para vender, porque sem o controle da estufa e da refrigeração das mega safras, os vegetais, obedecem ao ciclo natural de desenvolvimento no decorrer do ano.
Em Pernambuco, o milho que se planta em março, no dia de São José, só estará em ponto de colheita nas festas juninas... noventa dias, em média.
Coentro, chicória, rabanete, nabo, demais hortaliças, quarenta dias no mínimo, se secas ou chuvas não inviabilizar tudo. Cafeeiro atingido por geada, se não morrer, leva dois anos para se recuperar... qual será o alimento dessa gente se nós, humanos, não digerimos a celulose da grama que viceja e abunda em qualquer lugar durante o ano todo?
Não custa imaginar como esses retirados, agirão quando precisarem de tratamento dentário, canal por exemplo, parto cesariana, fratura de membro, picada de animal peçonhento, choque anafilático por qualquer agente alergênico...
Visitar o mato por pouco tempo, a trabalho, passeio ou pesquisa científica, é uma maravilha, mas viver por lá, sem a muvuca e o trânsito das cidades, sem vizinhos, vendedores ambulantes, som dos fogos de artifício nas madrugadas avisando que a droga chegou no ponto, sem o som da moto do aviãozinho abastecedor das biqueiras... sei não, viu?