Não confunda malgrado com mau grado

 

Não confunda malgrado com mau grado. Conheço um advogado que, malgrado sua inteligência jurídica, faz essa confusão, convenhamos, sem razão de ser. Para começar, malgrado é uma palavra, ao passo que mau grado são duas e, além disso, geralmente integrantes da locução adverbial de mau grado, embora, conforme o contexto, também se possa empregar a locução sem a preposição de. No entanto, não se diz jamais nem se escreve mau grado em vez de malgrado. Por aí se vê a confusãozinha dele. Que coisa feia!

 

Ele nunca trabalhou como servidor da Câmara, embora em mais de uma ocasião tenha prestado serviços. Uma delas – isso já faz muitos anos – foi exatamente a em que, brincando o digo, o peguei no pulo e lhe descobri a confusãozinha. Ele empregou, equivocadamente, mau grado em vez de malgrado em um documento que estávamos escrevendo. Tentei demovê-lo e ajudá-lo, mas ele, tola e teimosamente, não aceitou. Lá se foi o documento com o erro.

 

Era uma tardezinha e, dada a urgência do caso, trabalhávamos fora do expediente da Câmara. Havia um exemplar do Aurélio na sala, mas estava fechado no armário, e eu não tinha a chave. A diretora do departamento, Alda Maria, quem a tinha, estava ausente. Afirmei ter a certeza de que o correto seria malgrado, mas ele disse que também tinha certeza de que era mau grado. Assim, dada a impossibilidade de consultar o dicionário e como, além disso, o documento era de responsabilidade dele, fiquei quieto. E ele, evidentemente, persistiu no erro.

 

Se fosse hoje, solveríamos facilmente a dúvida (dúvida, não: erro grosseiro) dele. Na falta do dicionário, bastaria dar uns cliques no celular e consultar o Google. Prego batido, ponta virada. O erro não seria cometido. Se fosse hoje; não era. Como gosto dessas coisas da língua portuguesa, não me esqueço do ocorrido e, volta e meia, lógica e evidentemente, sem dizer a primeira letra do nome do colega, cito o episódio. Espero, todavia, que ele leia essa crônica e, querendo, se corrija. Não é bom persistir no erro.

 

Concluindo, não posso deixar de ressaltar, por oportuno, que não se deve apenas consultar o Google sobre isto ou aquilo. É necessário fugir da superficialidade e estudar bastante. Malgrado, conforme o caso, pode ser preposição, conjunção subordinativa concessiva e substantivo. De mau grado é sempre locução adverbial de modo. Conheço várias e lindas abonações de ambos, da palavra e da locução. Amo os dicionários que trazem abonações literárias dos verbetes. É deleitável estudar conferindo abonações literárias. Eu gosto!