O velho que espiava pra dentro
Seu Benedito ficava horas prestando atenção em tudo.
Às vezes, fica reparando nas coisas que todo mundo vê: as nuvens passava no céu, as gotas de chuva escorrendo na vidraça, os desenhos no rótulo do vidro de geleia.
Mas, outras vezes, ele fica tão distraído olhando para alguma coisa que não repara nem responde quando falam com ele. Nessas horas, sua esposa Dona Maria Parteira costuma dizer:
— Ele está espiando pra dentro.
E está mesmo.
Às vezes, ele espia pra dentro como todo mundo — de noite, dormindo, sonhando. E, nesse caso, também como todo mundo, vê coisas que mais ninguém está vendo.
Mas, outras vezes, mesmo de dia, mesmo acordado, mesmo de olhos abertos (ou fechados, tanto faz), ele espia pra dentro. E aí vê coisas que muita gente não consegue ver.
Quando ele esta debaixo da frondosa mangueira depois almoço, ali gosta de espia pra dentro…. Passa a horas em estado de repouso total.
Quando ele deita na rede da varanda, encolhe as pernas, balança um pouco e espia pra dentro…. está enfrentando as ondas do mar agitado, em um veleiro que sobe e desce vencendo a tempestade, chegando a ilhas desertas ou lutando contra piratas em abordagens perigosíssimas e cheias de emoção, e chega dar gritos baixinho para os bois da sua boiada.[….]
Se na réstia de sol da janela ele estica a mão no meio da poeira dançarina, e espia pra dentro…. Viaja numa nave espacial pelas galáxias desconhecidas do espaço infinito, em meio a chuvas de meteoros e bombardeios de brilho.
O caso é que sempre, em qualquer lugar, o velho consegue espiar pra dentro e sair dali. [….]