🔵 Um gato na estante
Quando frequentei a biblioteca circulante Mário de Andrade, em São Paulo, li muito, porém algo me intrigava. Circulando pelos corredores, entre estantes e livros, eu fui surpreendido por um gato. Coincidentemente li que gatos eram usados para acalmar ambientes. De fato, aquilo estava funcionando. Entretanto, aquele animal não poderia ser utilizado como um objeto para harmonizar cômodos, como um sachê que a gente compra no supermercado. Entretanto, fiquei mais tranquilo ao constatar que o felino gostava da biblioteca instalada em um casarão histórico.
Realmente, o silêncio era respeitado, e eu não havia presenciado maus-tratos animais. Não, a única coisa que interrompia minhas tardes e atormentava demais, era que o gato parecia me perseguir. Isso dificultava minha escolha. Entre Machado de Assis e Marcelo Rubens Paiva, lá estava o bicho. Inclusive quando eu arriscava puxar um Paulo Coelho, lá estava o “zoião” esbugalhado do gato.
Aquele bichano não estava completamente entregue ao ócio. Além de observar a dinâmica da movimentação intelectual, ele, às vezes, pulava no chão de madeira brilhante e escorregadia. Aquele movimento interrompia a tranquilidade meditativa do gato; porém era por um motivo convincente: havia uma vasilha de ração e outra de leite. Logo, ele estaria acomodado numa estante, escondido entre os livros.
Havia algo místico naquele bicho peludo, ou eu estava esotérico demais devido à filosofia budista e a leitura dos livros do Dalai Lama. Contudo, pode até ser bem normal, mas eu achava muito inusitado o gato ciceroneando minhas seleções literárias.
Hoje, a biblioteca circulante foi transferida para outro local mais moderno. Prédio moderno e central não é ambiente para aquele felino. O casarão antigo, mais longe e pouco frequentado era ideal para o animal viver. Pergunta: onde que o gato passou seus últimos dias?
Poderia, até, atribuir a “sorte” que tive, num concurso público ao gato e não aos títulos que devorei.