Sala dos passos perdidos
Desempregados acabam caminhando em algum momento até a sala da incerteza. É sempre uma sala que se esforça para aparentar um ar agradável.
Estava na época das flores e carregava o pasticho da imaginação por sobre esses artigos rabiscados dos estilos antigos que compõem a primavera. A sala se esforçava para aparentar um ar deleitável. Notei o silêncio. O silêncio que basta para transformar simplicidade em profundidade forçada. Na rua havia ruídos de metais e vozes de gente. Esperava sair logo após o resultado. Nada atormenta mais do que a espera. Toda expectativa parece configurar antes um buraco de indefinida queda. Meus olhos estavam contaminados pela decoração. Lá fora observei as fachadas dos prédios com sua linguagem de poder e força, mas para mim nada diziam.
Um caminhão parou em frente e começou a descarregar cimento e areia. Olhando para baixo vi o ziguezague do vento levantando o vestido da mulher morena. O sol lambeu seu corpo enquanto os operários da rua pararam o serviço. Lembrei o quanto o corpo faz esquecer a nudez das paredes e dos tijolos. Esse é o único poder do corpo: faz esquecer a natureza que nos envolve. Depois tanto o corpo quanto a arquitetura toma cada vez mais o aspecto de um serviço social.
Uma senhora surgiu com papéis e logo começou a desabafar o seu cansaço:
- Há sempre a deformação subjetiva de uma doutrina...
Ela riu um riso forçado e eu o riso vazio com ela. Depois fechou a gaveta e desapareceu. Estava de cinza e preto. Naquele momento senti falta de reunião passageira com gente despreocupada de qualquer tipo de solidez. Na verdade queria ir-me embora para encontrar comigo mesmo diante de um poema voluptuoso. O que preencheria o tempo perdido com a habilidade de um colorista queimando melancolia com sucesso.
Resolvi bater. Abrir a porta para uma resposta definitiva. O gesto poderia alcançar o prestigio desejado. Começaria a se desenrolar os episódios. Talvez fosse a tese da paciência e sobre mim o princípio de um método. Receberia formulários para preenchimento. Meu nome deveria estar escrito em múltiplas vias. Haveria perguntas sobre gostos pessoais na tentativa de um retrato. Tudo acabaria em poucos minutos.
Novamente fui cercado pelo silêncio após a batida nervosa na porta. Voltei a sentar-me, inquieto. Traduzindo a certeza em algum erro induzido que por ventura pudesse ter incorrido.
Resolvi abrir a porta como numa ação perturbadora. Mal percebi após longas horas de espera a sala vazia. Caminhei pelo prédio inteiro e tudo estava abandonado. Não havia nada ali. Há bastante tempo. Apenas o eco das teorias idealistas.