Joãozinho e a chuva

A cena é bem comum. Em dia de chuva, sem poder sair para arriscar-se no asfalto, Joãozinho pendura-se à janela de casa, à maneira de passatempo. Seus pais, a princípio, nessas ocasiões, pedem com insistência que Joãozinho deixe de ser besta e feche a janela. Por causa do frio, e de eventual resfriado também. Mas Joãozinho não é de aceitar ordens que considera obsoletas, embora Joãozinho ainda não saiba o que significa "obsoleta", muito menos o que são "ordens".

Joãozinho tem apenas seis anos, e uma curiosidade colossal acerca da chuva. Enche seus pais e seu vizinho com perguntas. Quer saber como vive, onde come, o que faz a chuva, principalmente quando está chovendo. Quer saber o passatempo favorito da chuva; quer saber se água da chuva se bebe; se a chuva tem pai, mãe, irmãos; se paga impostos. (Ressalve-se: essa parte dos impostos é uma curiosidade do vizinho de Joãozinho.)

Joãozinho provavelmente desconhece o provérbio que diz que, quando a chuva cai, a terra sorri. Mas o vizinho de Joãozinho conhece o provérbio e conhece Joãozinho, de modo que tem certeza que, pelo menos na rua onde Joãozinho mora, quando a chuva cai, quem sorri é Joãozinho.

A chuva cai e resvala-se no asfalto concretizado, mas antes mesmo do choque com o material progressista acontecer, a chuva chega primeiro aos olhos do menino, que diz, aos pulinhos de euforia, para o pai: "Pai, pai, pai! Vem vê... vem vê... vem vê...". "O quê, menino?" E Joãozinho responde: "A chuva, pai. A chuva!". O pai retruca: "Deixa de ser besta, Joãozinho. É só a chuva."

O pai, a mãe de Joãozinho e o vizinho sabem que Joãozinho não é besta, que a chuva existe, e não apenas na imaginação do menino, que não se deve diretamente beber água da chuva, por causa do efeito da desaceleração do PIB, que a chuva ainda não paga impostos, mas que tudo é questão de tempo. O mesmo tempo que traz a chuva leva-a de Joãozinho.

Atualmente, quando chove, e Joãozinho dependura-se à Janela, a olhar a chuva, a modo de seu passatempo favorito, seus pais já não pedem que Joãozinho feche a janela. Parece que começam a compreender a importância do fenômeno chuva para o garoto. Enquanto isso, o vizinho de Joãozinho, porém, está mais preocupado com os impostos e com a desaceleração do PIB.

O vizinho de Joãozinho, é uma pena, infelizmente já apreendeu o significado de "obsoleto" e "ordens", e não apenas os conceitos dicionarizados, como bem sabem a briosa e a diligente RFB, de modo que sabe que, antes de contemplar o fenômeno chuva, é preciso pagar impostos e respeitar ordens, a maioria obsoletas.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 18/06/2023
Reeditado em 18/06/2023
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