O PACIENTE FARSANTE
O que ele mais curtia fazer era mentir para sua terapeuta. Ficava a semana toda pensando nas histórias que iria desabafar na terapia, enchendo de detalhes para torná-las convincentes. Elas tinham sequência lógica e assim a terapeuta não desconfiava de nada. Inventava amores, situações no trabalho, momentos triviais vividos em família, sem nada fora do comum, ou de anormal, e de vez em quando contava algum conflito leve, mas nada que justificasse passar aqueles 50 minutos semanais no consultório. A psicóloga, com séculos de estrada, percebendo que não tinha muito a fazer, de tempos em tempos sugeria que tivesse alta. É aí que ele deitava e rolava. Relatava que surtou, criava uma fantasia maluca ou descrevia uma situação totalmente fora de controle que tivesse vivido. Coisa de deixar todos os cabelinhos dela de pé. Então recomeçavam as sessões e, novamente, ele voltava a se descrever como cara normal, até que viesse a próxima sugestão de alta. Foi mantendo esse jogo anos a fio. Adorava ver a cara de surpresa da terapeuta quando contava uma situação que merecia colocá-lo em camisa de força, inventada na noite anterior quando estava quase pegando no sono. Até um dia começou a desconfiar se ela também estava sendo farsante, fingindo que se preocupava com suas pirações quando, de fato, não estava nem aí. É bem possível que estivesse pensando que deixou a louça suja em casa enquanto ele botava pra fora uma enxurrada de problemas, todos fakes. No fundo, ambos representavam seus papéis, ficava difícil definir quem era doente e quem era sadio. Uma linha, pálida e tênue, separa esses dois personagens. Loucura e sanidade são vértebras da mesma coluna, ingredientes que dão sabor e razão à vida. Talvez era ele quem estava tratando dela, deixando a imaginação fluir sem amarras nem protocolos. Vai saber. Mistérios que só eram testemunhados pelos badulaques esquisitos que sua terapeuta colocava sobre a mesa. Mas isso é tema para outra crônica.