Nietzsche e o inconsciente humano
Lá se vão quase quinze anos desde que recebi de presente, de um amigo recém conhecido na época, a obra Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche. Estávamos em seu apartamento, poucos dias após termos travado uma amizade que dura até aos dias de hoje, quando ele tirou o livro da estante e me estendeu, dizendo que tinha pego para lê-lo, mas que não o havia entendido muito bem. Eu tinha cerca de dezoito anos e acabara de largar a escola no 2° ano do Ensino Médio, sem nunca ter ouvido falar em Nietzsche. Saí de sua casa com a cabeça cheia de projetos musicais, já que nos conhecemos em um site para músicos que queriam formar uma banda, e fui para a minha, folheando as páginas deste livro que, posso dizer, foi um divisor de águas no que se refere à compreensão do que eu tinha sobre a vida, e, porque não, sobre a mente humana.
De lá para cá, as obras de Nietzsche foram ganhando cada vez mais espaço na minha prateleira de livros, resultando em uma bibliografia, quase completa, deste filósofo alemão que abalou os pilares da metafísica cartesiana, entre outros feitos, como ter tido suas ideias culminando com o surgimento das estéticas vanguardistas modernas, tendo em vista que o tema da Transvaloração Dos Valores, entre outros conceitos de sua filosofia, foram umas das principais fontes de onde beberam os idealizadores de movimentos como o Dadaísmo, o Futurismo, o Expressionismo ou mesmo o Surrealismo.
Em relação ao Surrealismo, movimento artístico surgido nas primeiras décadas do século XX, é sabido que Salvador Dalí, o grande pintor espanhol, tinha um grande apreço pelas ideias de inconsciente de Freud, tendo, inclusive, acontecido um encontro entre os dois gênios, em 1938. Na ocasião, a Freud ainda restavam poucos meses de vida, enquanto que Dalí estava com seus trinta e poucos anos, na flor da idade e em pura efervescência criativa. Não sei o quanto os livros de Nietzsche influenciaram diretamente Dalí, mas, indiretamente, sei que muito, visto que Freud, mesmo não dando o devido crédito à Nietzsche, como dava Jung, era um ávido pesquisador dos textos do autor de A Genealogia Da Moral.
Esta constatação, que para mim sempre foi algo muito claro, ficou muito mais evidente quando adquiri quatro calhamaços contendo os escritos não publicados de Nietzsche, os chamados Fragmentos Póstumos, isto é, o laboratório criativo deste pensador que foi um dos precursores da psicologia moderna. Em determinado trecho em uma das obras, é escrito lá - "Ver o outro sofrer, isso nos alivia. Essa é a nossa mais antiga idiotia." Rousseau, um dos muitos alvos dos dardos nietzschianos, remexer-se-ia no túmulo caso ouvisse esta sentença afrontosa contra um dos seus principais axiomas no qual diz que o homem nasce bom mas é a sociedade que o corrompe. Para Nietzsche é justamente o contrário, o homem é um animal com instintos vis, os quais foram domesticados por uma sociedade com princípios morais. Podemos perceber essas nuances psicológicas do ser humano em muitos casos específicos, desde casos explícitos de ódio ao semelhante, como em casos mais sutis, onde essa animalidade ancestral emerge como uma espécie de ato falho; quem nunca viu, acompanhado de amigos ou parentes, uma briga de vizinhos e, enquanto viam a cena, não sentiram uma pequena dose de prazer acompanhado de uma sensação de alegria por não estarem participando de semelhante problema; ou quando tiraram uma nota baixa em um exame escolar e sentiram-se mal, mas só até verem as notas dos seus colegas, que foram tão ruins quanto as suas.
Mas, afinal, o ser humano é bom ou mau por natureza? Fomos corrompidos pelas sociedade ou construímos uma sociedade corrompida devido à natureza humana? Se Deus é bom, porque criou seres humanos maus?
A essas perguntas, corroboro com o pensamento deste que, para mim, foi o maior investigador do espírito humano, de que os homens não são um erro de Deus, mas Deus um erro dos homens.