Doce serotonina
A chocolateria estava vazia, as atendentes, algumas conversando à espera de clientes, outras arrumando as iguarias no balcão, como era de praxe aos sábados à tarde.
De repente ela entra, dirige-se ao expositor de doces e olha como se quisesse saber se havia algo que pudesse lhe chamar a atenção, depois inspeciona as mesas ao redor, à procura de um lugar mais reservado, então caminha até a mesa oposta às janelas, nem muito no fundo, nem muito na entrada. Provavelmente 1,70m de altura, cabelos pretos lisos não volumosos quase chegando à cintura, porte magro, morena clara, portando uma tatuagem próxima ao seu polegar esquerdo, que continha uma palavra escrita, talvez seria o nome de um familiar ou de alguém muito especial! Usava uma blusa de manga comprida preta toda em renda que fazia conjunto com uma calça de tecido mole também preta, que marcava os contornos do seu corpo, calçando uma sandália rasteira prata.
Quando a atendente se aproximou, ela solicitou um cappuccino tradicional de 50ml, acompanhado de uma mini Nhá Benta lingato, feito de marshmallow com base de wafer e coberto com chocolate ao leite, uma perdição para os amantes de chocolate.
Desde de sua acomodação à mesa, ficou encostada com o lado esquerdo de seu ombro na parede, meio que encolhida, como quem quisesse total privacidade naquele momento, pernas cruzadas, não deixou de teclar seu celular branco, concentrando-se em sua escrita, ora olhava disfarçadamente para a única mesa ocupada em seu lado oposto, ora olhava à frente como se esperasse algo ou alguém.
Uma das atendentes, aproveitando que o local estava quase vazio, pegou um balde com água e um rodo com um pano de chão, afastando mesa por mesa, cadeira por cadeira, menos a mesa da introspecta moça que teclava seu celular, bem como a do dissimulado observador, que escrevia com sua caneta preta com detalhes dourados. Outra atendente que estava próxima ao caixa, ao ver a chocolateira quase ferver por falta de leite, correu na intenção de desligar a máquina, o que lhe causou um escorregão ao chegar perto de seu objetivo, porém ela equilibrou-se e sorriu quando olhou para a colega de trabalho que
observara tudo e largou uma gargalhada.
Enquanto isso, encostada na parede, nossa tímida personagem aproveitava centímetro por centímetro de seu tablete de chocolate como quem quisesse prolongar o inevitável fim de sua guloseima. Olhava para o seu relógio de pulso, voltava sua atenção novamente para o celular e teclava mais algumas palavras, com um semblante sério, às vezes passava as mãos nos cabelos, bebericava sua xícara de café expresso. Era notório que sua fisionomia ficava mais leve, transformava-se à medida que saboreava cada pedacinho daquele tablete, parecia que nada mais lhe importava na vida, contanto que aquele sabor permanecesse em sua boca.
Em um dos raros momentos de descontração, ela abriu um sorriso ao assistir um vídeo em seu celular, tomou mais um pouco do seu café e lançou um triste olhar para o último pedaço de sua alegria, que colocou em sua boca degustando vagarosamente.
Outra vez mais, verificou as horas em seu relógio, meneou a cabeça em sinal de desaprovação enquanto pegava um guardanapo que utilizou para limpar os lábios, momento no qual olhou para o homem que a observava e levantou-se da mesa, porém ao mesmo tempo gravou um áudio, talvez em seu aplicativo “WhatsApp”, que dizia:
— Por que você não veio me ver?
Seguiu em direção ao caixa.