O Despertar da Vênus

Nostálgico, o velho escorpião se pôs a cantarolar. Arrumava a casa como quem esperava uma visita importante, mas ninguém viria. Era apenas um desejo súbito de renovação. Sua cauda, que há muito tempo estava abaixada – coisa que, como conta a velha fabula, não condiz ao escorpião – Se encontra levantada, portando as cicatrizes do combate orgulhosamente. São marcas profundas, queimadas pelo sal que semeara sobre as mesmas por diversas vezes, tentando preservar memórias às custas de sua regeneração.

Ninguém em sua família o entende. Apesar de grande, há apenas um outro escorpião, primo distante e discreto, pouco preocupado com o protagonista apaixonado. O resto são revolucionários, sonhadores, e pragmáticos, alguns explosivos, outros estáveis, alguns até mutáveis, mas dos que sente, que sente de verdade, do fundo do coração e da alma, nasceu apenas esse aracnídeo, filho direto de Vênus, que o iluminava em seu nascimento.

De uma família ocupada demais para olhar para fora, surge um apaixonado. E buscara paixão com fervor. Gostava de peixes e caranguejos em particular, mas não era intencional. Apenas parecia atrair outros irmãos sentimentais. Nunca se dera bem com outro escorpião. “Dominadores demais”, dizia pra si mesmo, sabendo da mentira. Era tão intenso por si só que tinha medo de colidir com outra intensidade incomensurável.

“Talvez dessa vez eu namore um leão.” Disse, sem segurar a risada. A última tentativa terminou fracassada, mas foi um processo interessante. “Ou talvez um oceano calmo e profundo ou um forte touro que me proteja. Algo mais constante, pra variar.”

Pôs-se a pensar nas possibilidades. Imaginou-se conhecendo as diferenças entre cabras e carneiros, tão semelhantes em iniciativa, mas de temperamentos incompatíveis. Viu-se debatendo sentimentos com um objeto, sem compreender nada do que tal ser, tão diferente de si, tinha a dizer. Se encontrava com humanos e seus ideias de progresso, saia em aventura montado em uma criatura mística, decidia ter dois namorados pra saber como era.

E concluiu que não importava. Iria arrumar a casa, deixar pronta para as visitas. E quem viesse, receberia com carinho e de braços abertos. Seu isolamento acabara. Esse filho de Vênus não mais dorme seu sono letárgico, e se encontra acordado numa manhã de sol. Não mais se olhará no espelho com vergonha de ser escorpião, nem de suas cicatrizes. Amará sem medo, pois acredita que o amor transformará tudo. Viverá intensamente, sozinho ou acompanhado, o amor divino do universo em que se encontra.

Ariel Alves
Enviado por Ariel Alves em 13/06/2023
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