foto: Gilbamar de Oliveira


Cada por do sol é único e especial, nenhum é igual ao outro, sobretudo porque todos têm sua própria digital romântica, uma assinatura inédita e impossível de copiar. Namorando os entardeceres, dominado pelo mágico e preciso instante em que o céu se transforma numa incomensurável aquarela e um genial pintor invisível, porém presente e talentoso além do imaginado por nossa vã filosofia, separa as inúmeras tintas, misturando-as para encontrar a tonalidade mais linda, vou assistindo ao ritual do astro-rei se recolhendo aos seus aposentos abaixo da linha do horizonte, esplendoroso em sua magnitude real. E, à medida que ele suavemente se despe do ocaso vagaroso e belo, retirando peça por peça com o mesmo ar faceiro e brejeiro de uma stripper ousada, ruborizado porque visto por milhares de sonhadores como eu, as cores do seu espaço vão se multiplicando, parecendo que ele está se redesenhando, talvez passando demaquiante para retirar as impurezas do dia, debruadas as tintas de maneira harmônica a formar um esplêndido conjunto onde o colorido adquire aquele aspecto misterioso e suigêneris que nos dá a sensação absoluta de não ser labor natural, senão divino.

Eu coleciono pores-do-sol da mesma maneira que um garotinho tem a sua coleção de figurinhas ou de carrinhos de brinquedo. E sou tão cuidadoso quanto ele, quiçá vou muito além do zelo quando se trata de pô-los em ordem nos pensamentos. É que os guardo num insondável arquivo reservado do meu coração, recanto a que somente eu tenho acesso, um lugar bem na ala subjacente à das emoções e destinado aos arquivos onde repousam os meus sonhos, ilusões e devaneios. Nesse santuário íntimo é onde me reencontro e descubro as entranhas mais profundas do meu eu. Ali, junto à intimidade dos meus guardados, coisas só minhas, usufruo do prazer de me buscar e fazer companhia ao meu ego. Já aqueles pores-do-sol escondidos são minuciosamente catalogados nesse recôndito, onde permanecem organizados e à minha disposição quando a estação invernosa chega, oportunidade em que, então, posso admirá-los um a um embora o dia esteja nublado.

Conheço de cor as inúmeras cores e os traços que os definem, e, por vezes, nos estertores da madrugada, ao nascimento de um novo alvorecer, ao invés do sol que chega altaneiro recordo os que se puseram e fizeram do céu uma extraordinária festa de coloridos indizíveis e fogos de artifícios silenciosos. É evidente ser inegável, óbvio, por outro lado, a beleza existente no fluir dos raios solares no amanhecer renovado, momento em que o infinito também se mostra quase tão lindo e vale a pena acordar cedo para ver o brotar da manhã. Isso, contudo, é apenas quase tão aprazível quanto o cair da noite, pois a beleza do por do sol não pode ser comparada nem dividida, sua existência é ímpar.

Daí esse meu teimoso aconchego extremado com tal intervalo especial do tempo e do encanto, da luz e da escuridão, do dia terminal e da noite recém nascida, da beleza perfeita com a mera beleza simples, do viver ralo com o estar vivo e esbanjando felicidade. Sem comparações, concordo, porquanto as peças desse astronômico universo, mesmo as mais ínfimas e comuns, são importantes na mesma proporção, na mesma equidade. O complexo corpo universal necessita de unidade, de estar em uníssono com o seu todo sem prescindir nem mesmo do desprezível fio de cabelo caído em algum lugar esquecido. Tudo interage de uma forma ou de outra, há uma cadeia ecológica a ser preservada. E inserido nesse contexto beirando o metafísico encontra-se o por do sol, alvo das minhas emoções à flor da pele, dos meus súplices olhares necessitados de beleza.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 16/12/2007
Reeditado em 20/07/2009
Código do texto: T781231
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