Vai de Opa!
Domingo, 4 de junho. Solenidade da Santíssima Trindade.
No final da missa, o próprio Padre se encarregou dos avisos da semana.
- Na quinta-feira celebraremos Corpus Christi! Pra muita gente será só mais um feriado, mas pra nós, católicos, é um dia santo! De veneração à Eucaristia, materialização do corpo e do sangue do Senhor, instituída por Ele na quinta-feira santa, na última ceia com os apóstolos.
- Como de costume, haverá a missa campal, em frente à Catedral, às oito horas, seguida da procissão até o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. E vocês podem falar:
- Ah, Padre! É cedo demais! É difícil resistir à tentação de dormir até meio-dia...
- Então precisam rever os conceitos. Que católico é esse que todo domingo vem pra igreja pra ver o milagre da transubstanciação, pra receber o corpo e sangue de Jesus na comunhão e no dia exclusivamente dedicado à Eucaristia não vai participar da festa porque tá com preguiça?
- É todo mundo acordando cedo mesmo. Bora pra missa, pra procissão, caminhar rezando, cantando, louvando e admirando o tapete, preparado por muita gente na noite anterior.
- Esse pessoal vai virar de quarta pra quinta sem pregar o olho e tem gente que não quer acordar às sete. Tem vergonha não?
- Vai dormir depois do almoço, de consciência limpa, tranquila e o principal: com Jesus Eucarístico aí, com você!
- Ah, os Ministros devem comparecer vestidos com suas Opas, mesmo aqueles que não forem chamados pra servir. Vocês são Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística. Nada mais óbvio que participar, devidamente trajados, da solenidade criada pra reverenciar a Hóstia Sagrada, que vocês tem a honra de distribuir aos fiéis.
Aí o Ricardo já pegou ar.
- Ah, eu não vou de Opa! Mas não vou mesmo! Ministro tem que ir de Opa? Nunca mandaram a gente ir de Opa. Eu não vou servir. Pra que ir de Opa?
- Ricardo, você só começou a servir em 2020. Não teve procissão por causa da pandemia. Em 2021 também não. Só voltou a ter ano passado. E o Padre falou que mesmo quem não vai servir tem que ir de Opa...
- O Padre falou, o Padre falou... Mesmo assim não vou, Nenê! Se alguém questionar, dou um perdido que esqueci e já era...
Segunda-feira é dia de entregar, na Secretaria da Paróquia, a arrecadação do dízimo na Missa do domingo da Capela São Padre Pio.
Não deu!
Logo de manhã veio a notícia de que a função "Incluir Documento" seria desabilitada no Sistema SP Sem Papel às 23:30. A partir de terça, produção de novos documentos exclusiva e obrigatoriamente no Sei! - Sistema Eletrônico de Informações.
O Ricardo é o multiplicador do tutorial de utilização do sistema na Unidade. Informações detalhadas e complementares disponíveis em outros dois textos daqui mesmo do blog: "Toba na mão!" e "Já num Sei! é di mai nada..."
Pânico geral no Departamento Regional de Saúde. O Ricardo chegou pra trabalhar às 7:30, mas só conseguiu ligar o computador dele às 11:00. Foi fazendo escalas de sala em sala até chegar na dele.
Todo mundo desesperado pra aprender pelo menos o básico pra dar conta de continuar o serviço no dia seguinte.
No Núcleo de Saúde da Mulher, o desafio foi fazer o Mapa de Diária da Interlocutora.
No Gabinete, indecisão sobre como instruir o Registro do Ponto da Diretora, que precisa ser assinado pelo Coordenador de Regiões de Saúde.
Na Unidade Dispensadora, o problema ainda era acessar o sistema. Mensagem de "Usuário ou Senha inválidos". Toca mandar e-mail pra Prodesp pra pedir novas credenciais, pelo amor de Deus!
À tarde a fervura baixou. Aí o Ricardo conseguiu fazer um pouco do trabalho dele. Precisava fechar o mês no SAM - Sistema de Administração de Materiais - até o fim do dia porque sabia que a terça ia ser bem mais turbulenta.
Além do corre-corre no DRS, era o dia da Nenê fazer o procedimento de retirada do catéter, que ficou pra escoar os resíduos da cirurgia do rim.
- Ah, coisa simples! Ela tira de letra, já fez várias...
Mas tem Centro Cirúrgico, sedação: cidadão sente a tensão do mesmo tanto. Mas vâmo deixar essa ansiedade reservada pra hora dela...
Eram 18:30 quando o sistema concluiu o fechamento. Agora já foi pra levar o dízimo. Secretaria da Paróquia fechou faz meia-hora.
- Pior que amanhã vai ser mais corrido ainda...
E foi mesmo. O anunciado foi cumprido. O SP Sem Papel amanheceu mesmo fechado pra criação de novos documentos.
Muita gente ainda não tinha ideia de como começar a produzir no Sei! e outro tanto ainda nem conseguia acessar o sistema.
A notícia boa - a mais importante - foi que correu tudo bem no procedimento da Nenê. Sem pedra no rim, sem catéter, cem por cento pra voltar a trabalhar no dia seguinte.
De volta ao furacão, bicho pegando no Centro de Credenciamento, Processamento e Monitoramento das Informações do SUS. Um baita de um check list de formatação dos documentos que devem constar dos processos, com nomenclaturas específicas pra identificar cada um deles na tal da árvore.
No fim da mensagem, as prescrições:
"Caso as orientações não sejam observadas, os processos serão devolvidos à Unidade de origem para a efetivação das providências necessárias à correta instrução."
"Esta Unidade não possui atribuições concernentes à atendimento de solicitações de auxílio e resolução de dúvidas quanto à utilização do Sistema Sei! Em tais casos, o representante do DRS deve ser contatado para o devido suporte."
O representante do DRS - que é o Ricardo - foi contatado. Todo mundo pensando junto, sofrendo junto, um palpite aqui, uma viajada acolá, muita tentativa e erro, enfim encontraram o caminho. Trabalho em equipe faz a diferença!
No Centro de Planejamento e Avaliação, um documento voltou porque não constava o nome do interessado. Bora refazer!
E a senha da Diretora da Unidade Dispensadora finalmente deu acesso ao sistema. Bora sentar junto pro passo-a-passo de instauração de processo de aquisição de fralda.
À tarde a pressão diminuiu, o Ricardo se virou pra fazer os corres dele e, quando vê a hora: 18:30.
- Caramba! Não levei o dízimo de novo! Amanhã vou ter que ir de qualquer jeito porque quinta e sexta não vai abrir...
E a quarta foi ainda mais osso que segunda e terça.
Processo de aquisição de canabidiol logo cedo, Mapa de Diária de um bonde que viajou pra Campinas na semana anterior.
Hora do almoço.
- Quer saber? Vou é agora pra Secretaria da Paróquia.
O Ricardo chegou pra entregar o dinheiro, mas o Padre tava atendendo duas senhoras no balcão. Então o Ricardo achou melhor entrar e entregar pra Tamara, a Secretária, na sala dela, que, por sinal, também tava na correria.
- Ricardo, já me fala o valor, que vou adiantando o recibo pra você. Já me passa aqui os comprovantes, por favor!
- Ufa, graças a Deus! Missão cumprida!
Bora voltar que ainda tem uma longa tarde pela frente...
Sentou na frente do computador. Mensagem de áudio da Tamara.
"Ricardo, você me entregou o dinheiro do dízimo? Porque já procurei aqui em todo lugar e não achei, já tô ficando desesperada!"
Bateu a mão no bolso.
- É pra acabar!
"Entreguei não, Tamara! Tá aqui comigo. No fim da tarde passo aí."
Volta lá o Ricardo pra finalmente entregar o dízimo da semana.
E tava lá o José Célio, marido da Tamara, que também é o Coordenador dos Ministros da Paróquia.
- E aí, vai na missa amanhã?
- Opa, vou sim!
E a Tamara já veio de lá de dentro, recomendando:
- Tem que ir de Opa, hein Ricardo...
- Rapaz, já que você vai, vou te pedir um favor: tô precisando de gente pra ajudar lá na hora comunhão. Não é pra servir, porque serão vinte padres pra distribuir, mas tá faltando pessoal pra ficar ao lado do padre, com a bandeirinha, sinalizando o local pras pessoas comungarem. Posso contar com você? A gente vai estar lá às 7:00, ao lado da rampa da Catedral.
Pois é! Tem coisas nessa vida pras quais não adianta falar não.
E outra: pra quem teimou que não ia na celebração de Opa de jeito nenhum porque não tinha sentido, receba!
E tem mais!
O Ricardo chegou às 7:00, pegou sua bandeirinha, recebeu as instruções do local onde ficaria e de como conduziria o Padre até lá e sentou pra esperar.
Colocaram cadeiras pra acomodar os Ministros ali na lateral. Todos bem sentadinhos e ainda sobraram várias, que foram sendo ocupadas pelas pessoas que chegavam pra missa.
Até que a lotação esgotou e aí quem chegava acabava ficando em pé mesmo.
Foi então que o Ricardo sentiu uma mão no seu ombro. Era uma senhorinha...
- Bom dia, meu filho! Será que não tem mais nenhuma cadeira disponível pra gente?
Nessas horas, fazer o quê?
- A senhora pode sentar nessa aqui mesmo, dona!
- Não, de jeito nenhum! O senhor é Ministro! As cadeiras são pros Ministros!
- Imagina, dona! Faço questão que a senhora sente! Por favor!
E o Ricardo foi se levantando pra ceder a cadeira pra tiazinha.
- Dá licença só um minutinho, moço! Deixa eu olhar essa sua Opa mais de perto...
O Ricardo não tava entendendo era mais nada...
- Meu filho, fui eu que fiz essa Opa! Olha aqui as barras mais grossas. É assim que eu faço...
- Pelo amor de Deus, Dona Célia! A senhora me desculpe, mas não lembrei da senhora!
- Precisa pedir desculpa não, meu filho! Você acha que eu lembro de todo mundo que faz Opa comigo? Só reconheço pelas peças mesmo!
- Pois então, Dona Célia! Agora é questão de honra que a senhora se sente nessa cadeira!
- Ué, por que meu filho?
- A história é comprida, Dona Célia! E a missa já vai começar...
Pois é!
Tem coisas nessa vida pras quais não adianta falar não!
O Ricardo bateu o pé que não ia de Opa no Corpus Christi. Foi de Opa porque foi "chamado" pra ajudar, teve que chegar cedo e ainda cedeu a cadeira pra tia que fez a Opa dele!
Tudo porque só foi entregar o dinheiro do dízimo da Capela na quarta na hora do almoço, voltou pra trabalhar com ele no bolso, teve que voltar na Secretaria da Paróquia à tarde e encontrou o José Célio, que pediu pra ele auxiliar na missa.
Puro creme da coincidência, né?
Só que não!
Quer mais uma?
Semana passada o Ricardo recebeu uma ligação do Heitor, que é o "Chefão" da Capela São Padre Pio.
O cara é o faz-tudo: Ministro, Leitor, Acolhida, Coleta, Casamentos, limpeza pré e pós casamentos, elétrica, hidráulica, manutenção, consertos e reparos em geral, jardinagem e tudo mais que seja necessário.
- Ricardo, é o seguinte: marquei meu casamento pro final do ano! Vou mudar lá pros lados da Paróquia São Pedro. Quando fiquei viúvo, prometi dedicação aqui pra Capela e fiquei à frente de tudo todos esses anos, mas tá chegando a hora de passar o bastão. Então, queria ver com você se...
- Opa, pera lá, Heitor! A gente vai ter que sentar pra conversar com bastante calma. Vâmo precisar planejar essa transição em conjunto. E já vou dizendo que não tenho a disponibilidade que gostaria pra assumir a bronca toda...
- Vâmo ter que alinhar pra delegar responsabilidades: cada um desempenhando uma função, todo mundo ajudando pra poder manter a casa em pé e funcionando...
- Claro, a gente vai dar um jeito. Eu sou aposentado, tenho mais tempo. Você trabalha, já tem várias atribuições aqui na Capela também, entendo tudo isso!
- Mas o que vou te pedir é outra coisa: é que agora em junho vai ser formado o Conselho para Assuntos Econômicos Paroquiais, o CAEP. E como vou me desligar das minhas funções ano que vem, achei melhor nem começar no Conselho e indiquei você pra ser o representante da Capela.
- Sei...
- É coisa simples, o Conselho vai se reunir uma vez por mês, na última segunda-feira, pra discutir e decidir sobre os assuntos financeiros da Paróquia. Tô te mandando o Regimento pra você dar uma lida e entender melhor qual vai ser sua incumbência. Parece que é "Encarregado de Patrimônio."
- Seu nome completo é Ricardo Sestim, né? Depois me passa seu RG e seu CPF, por favor...
Pois é!
Tem coisas nessa vida pras quais não adianta falar não!
Melhor deixar de embromação e dar o sim logo de primeira.
Já pensou Abraão regulando pra ser o pai de um povo inteiro? (mesmo que fosse um povo de cabeça-dura...)
Já pensou Moisés fazendo doce pra guiar esse povo pra liberdade e pra Canaã?
Davi hesitando pra assumir o manche?
Elias enrolando pra anunciar a Palavra?
Pedro dando desculpa pra não abraçar a missão de ser o primeiro Papa?
Paulo duvidando do chamado à conversão, pelo próprio Cristo?
Já imaginou Maria dizendo não ao anjo Gabriel?
Pois é!
Todos eles disseram sim. E todos eles sofreram e/ou morreram pela causa.
Imagina o sufoco de Abraão na hora de sacrificar seu único filho, depois de uma vida inteira de espera.
Imagina o pobre do Moisés aguentando o povo de cabeça-dura reclamando por quarenta anos. E ainda pediu misericórdia a Deus por eles.
Imagina Davi, franzino, tendo que enfrentar um gigante, trocentas vezes maior e mais forte que ele, pra salvar seu povo de cabeça-dura.
Imagina o quanto Elias foi desacreditado, caluniado, ameaçado, perseguido por falar as verdades ao mesmo povo de cabeça-dura.
Imagina Pedro crucificado de cabeça pra baixo e Paulo decapitado por permanecerem firmes na fé, na obediência e no anúncio do Evangelho.
Imagina Maria com o coração traspassado pela espada ao ver seu filho agonizando na cruz.
Mas pensa que todos eles ganharam o céu, alcançaram a santidade e se tornaram modelos pra nós.
Pois é! Tem coisas nessa vida pras quais não adianta falar não...