Crônicas de Pai para Filho - Um Abraço
Ele havia vindo de Porto Alegre. Estava na cidade internado em uma instituição para recuperação de dependentes químicos. Esta casa, levava a pessoa para outra cidade, longe dos locais onde costumava se ter contato com a droga.
Todos os dias, ficava no terminal de ônibus, vendendo pequenos objetos para arrecadar dinheiro para a instituição. Canetas, chaveiros em formatos de bichos que faziam barulho quando apertados, pequenas lanternas, e outras coisas que não me lembro. Tudo baratinho, apenas dois reais.
Eu pegava o ônibus todos os dias pela manhã, naquele terminal. E perdi a conta de quantas canetas comprei dele e dos outros meninos que faziam o mesmo.
Este jovem em questão já não era tão menino assim, e portanto já não despertava tanta empatia nas milhares de pessoas que iam e vinham todos os dias naqueles ônibus lotados. Nem mesmo as crianças despertavam empatia, é bom que se diga.
Havia por ali vendedores de chipas, de café, de balas. Todos iguais. Cada um com sua história, que não importava nem um pouco para aquelas pessoas que estavam vivendo suas próprias histórias tristes.
Embarcavam, desembarcavam.
As vezes sobrava um trocado para uma coxinha, uma chipa, um café, ou um halls. E esse trocado era o ganho diário de outra pessoa.
Tudo ocorria de forma impessoal. Davam o dinheiro, pegavam o produto, e seguiam para o próximo ônibus lotado.
Vez ou outra, rolava uma amizade, uma conversa. Todo dia rolava uma discussão.
Eu desembarcava de um ônibus e embarcava no outro. Então entravam esses rapazes.
O discurso era o mesmo, diziam o nome, e explicavam que estavam ali para arrecadar dinheiro para a instituição que os mantinha longe do vício. Algumas pessoas olhavam desconfiadas, a maioria fingia que não ouvia.
Poucas vendas.
Um dia, uma semana, um mês, um ano...
O tempo passa para todo mundo. Eu já conhecia quase todos ali, embora não conhecesse ninguém.
Finalmente em uma dessas manhãs (lembro que fazia frio demasiado), ele entra no ônibus. Ao seu lado um rapazinho menor, envergonhado. Estou pronto para o mesmo discurso costumeiro. Neste dia, tinha conseguido um assento, estava feliz apesar de tremendo de frio.
Mas, naquela manhã, o discurso foi diferente.
Ele apresentou o garoto, disse que a partir daquele dia aquele pequeno iria ficar no seu lugar.
- Voltarei para Porto Alegre. Verei minha familia depois de três anos. Estou curado.
As pessoas não prestaram tanto à atenção. Duas ou três pegaram os dois reais para uma caneta ou um chaveirinho.
Quando ele chegou perto de onde eu estava, ainda recebendo as recusas de cabeça das pessoas, eu me levantei.
Por um instante ele parou, acho que assustado, não sei.
Então, lhe dei um abraço. Desejei-lhe sorte. Disse o costumeiro "Deus te abençoe", que todos os dias é dito por muita gente em todo lugar por aí, e que muitas vezes não significa nada.
Ele agradeceu, um sorriso no rosto.
As pessoas nos olhavam.
Uns assombrados, outros com desdém. Lembro-me bem, de que nenhum olhou com misericórdia ou afeição. Na hora, não me importei. Hoje me importa bastante, porque depois de todos estes anos, os olhares continuam iguais onde quer que você esteja.
Não me lembro mais o nome dele. Não passo mais por aquele terminal, pois mudei de endereço e de emprego há muitos anos.
Lembro bem daqueles olhares.
Lembro bem daquele abraço.