O tempo do tempo
Havia muita gente no lugar. Falava-se em viver a dor. Ela chegou e todos os olhos se voltaram à sua chegada. As vozes silenciaram enquanto lhe olhavam.
Ela tentava guardar a mochila em algum lugar e, mais para si mesma, murmurou: - eu posso me erguer da dor!
Ele levantou-se abruptamente, passou por ela e lhe disse: - a dor não para!
Ela soube, naquele momento, que todos a esperavam para a ouvir falar...
Ele olhou-a profundamente de onde estava. Por fim, pegou uma mochila amarela e foi embora...
O tempo a colocou numa estrada. Ao redor a mata - uma floresta -, debaixo dos pés, o asfalto.
Ela caminhava só, a velha mochila - inseparável bagagem - em suas costas. Foi para um lugar distante, parecia uma vila.
Adentrou um portão, uma casa. Um rapaz e uma mulher - que não falava, apenas a olhava -, se encontravam no local. Após ela ouvir o olhar silencioso da mulher, o rapaz a levou até um lugar que seria o centro daquele lugar, daquela vila. Havia um deque e areias, como de um deserto. Ela olhava a areia em sua infinitude. Foi então, olhando ao redor que o viu. Ele se encontrava em uma mesa, num espaço que parecia ser uma espécie de bar. Estava rodeado de pessoas, provavelmente, amigos.
Ele a olhou. À fitava, de longe, contemplativo, achando que ela não o via. Ela o espiava com o canto do olho, enquanto olhava a areia que se estendia ao infinito a partir do deque... Virou-se para ele e o olhou nos olhos. Ele ainda a fitava... Ela girou os pés nas tábuas do deque, desceu a escada e continuou sua caminhada em direção à estrada em que se encontrava caminhando antes de chegar àquele lugar...
Caminhava, caminhava... a mochila - como um calombo - em suas costas.
Chovia, a água escorria pelo asfalto, em profusão. Formou-se um rio de águas límpidas e seus pés caminhavam por ele. Meio perdida, sentindo-se sozinha e com medo, olhou para trás. Ele a seguia com uma multidão. Falava com ela. Ela o ouvia, mas não o respondia. Seguia, calada, à caminhar...
Ele avançou para o seu lado... caminhava, agora, perto dela, ao seu lado, no mesmo passo seu. Continuava falando com ela e ela o ouvia, mas seguia à caminhar em silêncio.
Ela olhou para trás. A multidão que os seguia ia diminuindo, sumindo aos poucos. Cada vez que olhava, haviam menos pessoas caminhando com eles. Logo, não havia mais ninguém. Estavam sós...
Seguiram sozinhos - lado à lado. Ele falava, falava... Ela não conseguia emitir uma palavra... A voz embargava na garganta. Estava muda...
A chuva caía, caía... A água escorria, cada vez mais intensa, pelo asfalto.
Ele falava, falava... Dizia que por muito tempo não lhe falou... Dizia da urgência em, agora, falar o que precisava ser dito, alertava do pouco tempo que tinham... Ela seguia muda ao seu lado, silenciosamente muda... ouvindo-o...
O tempo a colocou num lugar alto. Ela o olhava de cima. Ele seguia sozinho... E falava, falava... Ela o ouviu... Queria, mas já não conseguia mais dizer-lhe nada... Sua voz não o alcançava...
Ela não compreendia o que se passava. Por que o via de cima, caminhando sozinho em meio a água que escorria, abundantemente, na estrada e não conseguia falar-lhe?
Ela desviou os olhos dele e olhou - pela primeira vez - para si mesma. Viu duas asas no lugar onde, antes, se encontrava a mochila em suas costas. Sob seus pés, um colchão de nuvens...