CRISTANZINHA DE BRINCOS
Taísa era uma linda menininha com cinco anos de idade. Vista pelo romancista José de Alencar, dela ele diria "que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira". Era linda e meiga, o doce do papai.
Porém, o papai era adepto de uma religião um pouco rígida nos costumes e ele procurava educá-la nos mesmos princípios, para que fosse uma mulher de honra, fibra, boa cidadã e trabalhadora, mãe e esposa. Enfim, o papai da Taísa era um conservador.
Nos costumes da família e da igreja, as mulheres não se maquiavam e não usavam joias (brincos entre elas) fossem legítimas ou bijuterias.
Naqueles idos, a menininha foi para a casa da vovó e lá encontrou as primas. Todas faceiras com suas bijus, maquiagens e tudo o que a religião da Taísa não permitia, na busca de retirar a vaidade antibíblica das varoas cristãs. Modéstia, era a palavra usada.
É que o apóstolo Paulo, escrevendo sua primeira carta ao discípulo Timóteo, dá o seguinte conselho: "Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos".
Para a preocupação do pai, a Taísa ganhou um par de brincos das primas. Pendurados nas orelhinhas eles caiam sobre os ombros de forma engraçada. É que o pescocinho infantil não tinha altura suficiente para sustentar aquelas argolas imensas. Ela desfilava, do quarto para a sala, da sala para a cozinha. Brincava com os brincos, andava com os brincos, queria dormir com os brincos e dormia com eles.
Um dia, dois, o pai resolveu intervir:
- Filha, você é uma menininha cristã, tão linda, brinca com as outras meninas da igreja e nenhuma delas usa brincos.
Os olhinhos pretos fitavam o pai sem expressar nenhuma solução para o problema. Era hora de atingir a vaidade, o antônimo da modéstia, que já estava naquele coraçãozinho adorável.
- Filha, você não quer ser bonita?
Foi ao ponto. Os olhinhos negros já demonstravam que essa era a chave para a solução do problema. Mas aí veio o grande erro.
- Filha, você, como menininha cristã, não quer ser bonita para o papai?
O erro nessa pergunta não é só de estratégia para manipular a menina de cinco anos e agradar o pai em seus conceitos. O erro é teológico, a vaidade não se combate com a vaidade, a modéstia não se obtém com argumentos para vaidosos, a Graça não se importa com brincos!
Ela olhou para o pai, com aquele olharzinho inesquecivelmente lindo, e disse:
- Eu quero ser bonita para mim mesma.
Vencido o pai, Taísa usou os brincos mais uns dois dias. De repente sumiu um. Mais dois dias e nunca mais se viu ou se ouviu falar de brincos na orelha da menininha "que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira".