A última crônica e o caso Dreyfus

 

Prometi na crônica “Chupa essa manga!” e cumpri. A última crônica de Otto Lara Resende escrita para a Folha de S. Paulo e também a última de sua vida, “Águia na cabeça”, foi publicada no dia 21 de dezembro de 1992. Ele, que escrevia três vezes por semana no jornal, faleceria no dia 28, uma semana depois. Sua primeira crônica da Folha, como escrevi lá, foi “Bom dia para nascer”, publicada no dia 1º de maio de 1991, data de aniversário de Otto e Dia do Trabalhador. Tenho ambas. E as li. São excelentes.

 

“Águia na cabeça”, a última crônica de Otto Lara Resende, relembra o Caso Dreyfus, processo judiciário fraudulento que resultou na injusta condenação do capitão Alfred Dreyfus, do Exército francês. Dreyfus foi, falsamente, acusado de traição à pátria, qual seja, de vender segredos militares franceses à Alemanha. Uma ignomínia, um processo judicial fraudulento, criminoso, que condenou um inocente. Anos depois, tal qual Judas, o criador da fraude suicidou-se.

 

Alfred Dreyfus – que cumpriu pena na Ilha do Diabo, ali, na Guiana Francesa, pertinho do Brasil –, submetido a novo julgamento, foi novamente condenado, mas não morreu na injustiça. Anistiado e solto, foi readmitido pelo Exército e seguiu sua carreira. Morreu com a patente de tenente-coronel. Ainda bem! Foi intolerância religiosa. Dreyfus era judeu. Veja-se que, no segundo julgamento, cinco dos sete jurados retiraram a acusação, mas, assim mesmo, ele foi condenado. Quanta infâmia!

 

É um caso que não deve ser esquecido, para que não se repita. Aliás, não deveria jamais se repetir, mas se repete. Fraudes judiciais e suas nefandas injustiças continuaram e continuarão sendo perpetradas pelo mundo afora. O Brasil, falo como advogado, é pródigo na produção da coisa, no procedimento asqueroso e maldito. Basta pesquisar um pouco o assunto. Não precisa ir longe. Temos casos escabrosos de erro judiciário involuntário, mas também os de inegável e manifesto lawfare.  

 

Fazendo justiça, Otto Lara Resende relembra com “Águia na cabeça” que Rui Barbosa, o Águia de Haia, foi a primeira voz no mundo a se levantar, solitária e corajosamente, contra a injustiça do Caso Dreyfus. Para isso, escreveu em 1895, de Londres, onde estava exilado, o primeiro texto das Cartas de Inglaterra, publicado no Brasil pelo Jornal do Commercio. Depois, Émile Zola também se levantou contra a injustiça e em favor de Dreyfus, com sua carta aberta J’accuse, publicada no jornal francês L’Aurore, texto que virou livro. Tenho esse livro. Vou reler.