A SEGUNDA GERAÇÃO PARNASIANA
A MARÍLIA DE DIRCEU
Nelson Marzullo Tangerini
Lendo, na noite de ontem, 6.6.2023, a revista Vida Nova, de janeiro de 1944, eis que encontro, na página 10, o soneto “A Marília de Dirceu”, de Oliveira e Silva, parnasiano, que os cânones literários decidiram enterrar. A referida revista, na verdade, publicou, nessa página, “A página dos poetas”, um conjunto de seis sonetos do poeta.
Concentro-me neste soneto pelo fato de o Parnasianismo - e esse tema - ter fortes ligações com o Neoclassicismo (ou Arcadismo), corrente literária que buscava inspiração no Classicismo de Camões, que, por sua vez, buscava inspiração nos Clássicos e, portanto, na mitologia grega e latina.
“Dei o teu nome de arte a minha filha,
Para que saiba, lendo a tua história,
Que o amor encontra na renúncia a glória,
E ainda nos surpreende e maravilha.
Numa tarde nevoenta, merencória,
Respirei o teu ar, tua memória,
Compreendendo que a dor não se partilha.
E te amei a paixão que brilha, brilha!
Um sorriso de enlevo. Os dedos finos
Tecem, compõem as rendas feiticeiras,
Imobilizam-se à felicidade.
Quis fazer-te o mais triste dos destinos
A imagem da pureza, da lealdade
E ternura das noivas brasileiras”.
O Modernismo teria mesmo demolido o sólido edifício da poesia arte defendida pelo Parnasianismo? Alguns poetas parnasianos – ou neoparnasianos – ou da segunda geração parnasiana – encontraram um porto seguro na revida Vida Nova, que, em toda a sua existência, deu-lhes o devido espaço, uma vez que foram chamados de “passadistas”.
Bilac demonstrou apreço ao Arcadismo, escrevendo os sonetos “Vila Rica:
"O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.
O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,
O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.
Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,
Como uma procissão espectral que se move...
Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove”.
e “Língua Portuguesa:
"Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”,
da mesma forma como o poeta modernista Manuel Bandeira, em sua fase parnasiana, dedicou o soneto “A Camões”, ao poeta maior da língua portuguesa:
"Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.
Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.
E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,
Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados”.
Se formos nos estender aqui, citaríamos, uma infinidade de sonetistas seguidores da Medida Nova, inventada por Petrarca, poeta italiano, e introduzida em Portugal pelo poeta Sá de Miranda.
Li, certa vez, num jornal do Rio de Janeiro, que Vinícius de Moraes teria sido o único poeta moderno a prosseguir com a feitura do soneto, o que não é verdade. Bastos Tigre, os poetas do Café Paris, de Niterói, Maurício Marzullo e tantos outros prosseguiram na produção de sonetos decassílabos ou alexandrinos, sem se importar com o deboche dos modernistas.
Lamentavelmente, os críticos literários embarcaram na onda modernista e desprezaram esses poetas, que ficaram de fora dos duvidosos cânones que selecionam quem deve ou quem não deve entrar para esse clubinho fechado.