"Chupa essa manga!"
Hoje, resolvi falar de crônica. Mais uma vez, claro. Não é novidade. O leitor que me acompanha faz algum tempo já sabe disso. Sabe que não, não é novidade. Eu, volta e meia, volto ao assunto. Isso talvez já esteja chateando, mas vamos lá. Sou um profissional da palavra, sou advogado. “O advogado, trabalhando, ou escreve, ou fala”, escreveu o grande advogado, escritor e professor Eliasar Rosa, dito este que, evidentemente, se aplica a outras categorias profissionais. Mas não é somente por isso. É porque eu gosto muito de crônica, notadamente da crônica de até quinhentas palavras ou, mais ou menos, trinta linhas. O canto de página do jornal ou da revista, como a praticamos no Brasil já há alguns anos.
Sou cronista pelo prazer de escrever crônicas. É o meu gênero literário preferido. Já o disse e escrevi inúmeras vezes. Quase sempre o digo ou escrevo quando, direta ou indiretamente, trato do assunto. Digo por amor ao gênero e como posicionamento diante de quem pensa que crônica não é literatura. É, sim. E a crônica me fascina. Amo ler as crônicas de Rubem Braga, Carlos Heitor Cony, Mário Prata, José Sarney, João Ubaldo Ribeiro, Rachel de Queiroz, Moacyr Scliar, Otto Lara Resende. E de tantos outros mais, não necessariamente nessa ordem. Já comprei jornal e revista, muitas e muitas vezes, apenas para ler as crônicas.
“Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam”, escreveu Leonardo Boff. Eu já disse (aliás, mais do que isso, escrevi) e vou escrever novamente. Se eu tivesse que indicar um único livro de literatura a alguém, não teria dúvida alguma e indicaria Bom dia para nascer: crônicas publicadas na Folha de S. Paulo, de Otto Lara Resende. A edição que tenho, da Companhia das Letras, é de 2011 e tem 432 páginas. São as crônicas que ele escreveu, três por semana, já no fim da vida, de 1991 a 1992. Ele, para quem não sabe, partiu para a eternidade em 1992, no dia 28 de dezembro, para ser exato.
Otto Lara Resende começou a escrever crônicas para a Folha de S. Paulo no dia 1.º de maio de 1991, data de seu aniversário, e faleceria, menos de dois anos depois, como já foi dito, no dia 28 de dezembro de 1992. Não sei qual foi a última crônica que ele escreveu. Certamente a tenho, mas não sei qual é. Vou pesquisar e descobrir. A primeira, contudo, foi a que daria título ao livro, “Bom dia para nascer”, uma das pouquíssimas de seis parágrafos. Quase todas, do começo ao fim do livro, têm invariavelmente cinco parágrafos.
Para concluir. Gosto de relembrar que, no prefácio à primeira edição do consagrado Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o autor, dando ao leitor informações reputadas essenciais, deixou registradas estas palavras sobre as abonações literárias com textos de cronistas no seu dicionário: “Entre os autores, dos mais desvairados gêneros, figuram com certa frequência os cronistas; por se mostrarem, em maior ou menor grau, bons espelhos da língua viva. São, aliás, vários deles, mestres da prosa dos nossos dias.” E aí? Tu não valorizas a crônica? Não gostas? Pois eu gosto! Aurélio Buarque de Holanda Ferreira também gostava. E valorizava. "Chupa essa manga!"