Tardes de Baunilha
(Extraído do livro
"O barulho do rio" de Andreia Caires )
O cheirinho inconfundível do bolinho de chuva da mamãe, vindo lá da cozinha e eu, no auge dos meus sete anos saltava feito uma pequena lebre para ver se ela não esquecera de deixar o restinho de massa na tigela para eu lamber. Aaah... Como eu amava aquilo!
O gosto da essência de baunilha misturada à massa lisinha me fazia cochilar no sofá com a enorme tigela no colo.
“Vai te dar dor de barriga, menina! Essa massa crua!”
Passados mais de quarenta anos, ainda não perdi essa mania de criança e, quando vou à casa de minha mãe e ela decide preparar um bolo, já me preparo para lamber a tigela. Ela diz:
“Vai te dar dor de barriga, menina! Essa massa crua!”
Igualzinho quando eu ainda era uma garotinha e olha, não me lembro de ter ficado com dor de barriga por causa da massa de bolo, não. Prova de que “nem sempre, praga de mãe pega.”
Brincadeiras à parte, aqueles bolinhos de chuva eram perfeitos! Meus irmãos também gostavam mas, eu era a mais gulosa. Não sei se hoje ela tem a mesma mão pra fazer aqueles bolinhos quando na época de criança pois as coisas mudam, a paciência pra ficar no fogão também, o tempo, a velhice... existem várias coisas que fazem com que não sejamos mais como outrora. Não a culpo por isso e ainda acho os seus bolos muito bons. Mas aqueles... Aaah aqueles bolinhos de chuva sequinhos por fora, perfumados e fofíssimos por dentro... Acontecia às vezes de alguns bolinhos saírem com a massa bem molinha e esses, eram os meus preferidos! Enchia a mão. Pegava logo uns cinco ou seis e corria para o quintal brincar com meus irmãos enquanto ela continuava fritando mais.
Eu amava aquelas tardes fresquinhas onde eu descobrira logo cedo que bolinhos de chuva não eram feitos pra comer só em dias de chuva, não. Que o bom mesmo era comer no quintal aberto, contemplando o final da tarde e as primeiras estrelas despontarem brilhantes no céu anil.
De barriga cheia eu contemplava aquele fino rastro laranja do sol que em poucos minutos desaparecia dando lugar a uma lua enorme que de tão clara embaçava minha visão. E, ao contemplar aquela lua por algumas vezes, vinha em minha mente a preocupação:
“Pobre São Jorge... Como deve ser difícil pra ele! Ter de lutar todos dos dias contra o dragão e quase não lhe sobrar tempo para ir pra casa e ficar com a família...”
Porque era assim que os antigos familiares falavam pra gente. Diziam que São Jorge, o santo Guerreiro morava na lua! Não sei de onde os avós, principalmente tiravam essas ideias, mas deveria ser do mesmo livro onde contavam também a história da cegonha.
O fato era que na minha ingenuidade e pouca idade minha mente viajava nessas fantasias e eu, quando olhava para a lua tinha ligeira sensação de poder ver um homem montado num cavalo branco.
E esses meus olhos grandes e faceiros não paravam de olhar para o céu e procuravam também “As três marias" aquelas que seriam as atrizes principais do céu e, não demorava em encontrar. Meu único arrependimento era quando eu esquecia e apontava o dedo indicador para elas. Os antigos também falavam que não podíamos fazer tal coisa, ou nasceriam verrugas na ponta dos dedos. Quando eu ameaçava apontar para as estrelas e lembrava-me automaticamente escondia as mãos pra trás e a cada minuto olhava para ver se estava tudo bem com meus dedos.
“Ufa! Não foi desta vez!” – eu pensava.
E minhas tardes de baunilha que se estendiam até o começo da noite eram assim, com bolinhos de chuva em tempo fresco, céu limpo, sem chuva e salpicado de estrelas.